Os movimentos extremistas, sejam eles comunistas ou nazis, deverão ser combatidos – com lógica e debate. Não com repressão. Nunca com censura. A única forma de combater os discursos de ódio é confrontá-los, em praça pública, e destruí-los com argumentação racional e lógica.
Estudante de Ciência Política e Relações Internacionais na UCP
A ideia de que só quem partilha as crenças da maioria deve poder falar livremente não é nova. Hoje, vários países democráticos restringem a liberdade de expressão em nome da democracia. Proíbem-se “discursos de ódio”. O imbróglio é que a definição destes discursos não é consensual – e tal permite que cada estado defina o tipo de discurso que quer proibir. A Alemanha proíbe discursos que ataquem a “dignidade humana de outros através de insultos que difamem segmentos da população”; já o Canadá bane qualquer expressão que incite ao “ódio contra qualquer grupo identificável, desde que tais incitações possam levar à violação da paz”. Se estas definições soam estranhamente vagas, é porque o são.
Contudo, todas as jurisdições admitem que qualquer indivíduo que publique conteúdo relacionado com a supremacia branca poderá ser alvo de investigação criminal. E aqui encontramos o verdadeiro núcleo da proibição. Inquestionavelmente, em defesa da democracia, todos estes países caíram num paradoxo que se fundamenta na frase “o que faço é em função do bem comum”. E esta frase provou-se historicamente perigosa para a preservação de todas as instituições democráticas de qualquer país.
Devemos ou não limitar a liberdade de expressão de extremistas em virtude do bem comum? Esta questão é de indubitável importância para qualquer defensor de uma democracia liberal. Que não haja dúvida alguma de que tanto a extrema esquerda como a extrema direita aspiram à limitação da liberdade de cada um de nós; e tais movimentos, sejam eles comunistas ou nazis, deverão ser combatidos – com lógica e debate. Não com repressão. Nunca com censura. A única forma de combater os discursos de ódio é confrontá-los, em praça pública, e destruí-los com argumentação racional e lógica.
A ideia de que a liberdade de expressão deve ser garantida a todos menos a nazis, por exemplo, representa uma profunda contradição dos termos: tal ideia não é defensora da liberdade de expressão; tal ideia defende uma autorização de expressão. É um discurso que me autorizam a ter; não é o direito natural de liberdade de discurso. A ideia de que posso dizer qualquer coisa desde que não seja um nazi não é defensora da liberdade de expressão; no momento em que limito a liberdade de expressão a quem quer que seja, estarei a assinar a minha morte. Estarei a assinar a morte da liberdade.
Pior: argumentando a favor de qualquer tipo de controlo de expressão, por muito nobre que a defesa seja, estarei a assumir que o controlo de expressão só será usado contra pessoas de quem não gosto. E essa presunção está fundamentalmente errada.
Eis uma história: em 1936, Londres assistiu a um dos maiores protestos da sua História. Centenas de milhares de trabalhadores e operários londrinos marcharam as ruas numa inspiradora demonstração da defesa dos valores democráticos contra o fascismo que se erguia na Europa. Era um verdadeiro triunfo do antifascismo, pensavam. Vitoriosos, alguns indivíduos assinaram petições para que o Governo Inglês legislasse sobre a proibição de encontros e reuniões fascistas em público. Outro triunfo admirável, pensavam. Mas adivinhe-se contra quem as leis foram inevitavelmente usadas? Uma e outra vez, o Governo utilizou a legislação contra a esquerda. Uma e outra vez, o Governo utilizou as proibições contra a classe trabalhadora, contra os movimentos socialistas e comunistas que a tinham proposto. Proibiu-se as marchas e reuniões de socialistas e comunistas. A finalidade da lei havia sido estendida e verificou-se que a espada da proibição era, afinal, uma espada de duas pontas. As mesmas pessoas que desejavam proibir as reuniões e marchas fascistas viram a lei virar-se contra as suas próprias marchas e reuniões. Sem quererem, haviam condenado a sua liberdade ao apoiarem a censura de uns.
A censura de grupos extremistas provou-se historicamente contraproducente. Os nazis já foram punidos pelos discursos de ódio sob as leis que se diziam a favor da liberdade de expressão. Foi na Alemanha de Weimar, nos anos 20 do século passado. E as consequências provaram-se assustadoras: os nazis utilizaram a censura em seu proveito. Vitimizaram-se e ganharam crescente apoio. Não houve espaço para que as suas ideias pudessem ser debatidas e destruídas pela lógica. Ao invés, o povo alemão aceitou-os porque os nazis se apresentaram como as vítimas da autoridade. Ao censurar as ideias nazis, o Governo alemão ajudou as ideias nazis.
Não há nenhuma fórmula mágica de combate às ideias extremistas; mas elas aproveitam-se da vitimização. Aproveitam-se da censura para se justificarem. A defesa da liberdade de expressão universal parecerá sempre contraintuitiva se não acreditarmos verdadeiramente na liberdade; mas a História já nos demonstrou variados exemplos em que a censura não só falhou na contenção de ideologias extremistas, como as potenciou. E seria triste termos de assistir ao crescimento dos extremos uma vez mais, sob a premissa da permissão de expressão.
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