As teorias da professora Mazzucato assentam essencialmente nos tópicos da Inovação e do Crescimento Económico. É caracterizada como uma economista mais “à esquerda”, no sentido em que rejeita o papel do Estado mínimo apenas enquanto regulador da atividade económica, defendido pelas perspetivas económicas mais liberais.
Crónica de Beatriz Viana
Estudante de Economia
A primeira vez que ouvi falar de Mariana Mazzucato foi na revista Courrier Internacional (edição portuguesa), num artigo sobre algumas mulheres influentes da atualidade, algures no confinamento do ano passado. A futura economista que há em mim ficou intrigada com o que leu, e depressa ouvi as top 3 TedTalks de Mazzucato no Youtube. Encontro uma professora eloquente, que questiona algumas das ideias base que tinha aprendido no meu curso até então. Apelava a reformas para um novo capitalismo (hoje um hot topic), focando essencialmente nas noções de valor versus preço, bem como o papel do Estado enquanto regulador versus empreendedor.
Mariana Mazzucato é Professora de “Economics of Innovation and Public Value” na University College London e Diretora-Fundadora do “Institute for Innovation and Public Purpose”. Com dupla nacionalidade italiana e americana, mãe de 4 filhos, tem vindo a revelar-se uma das economistas mais influentes (e algo controversa) na ordem mundial, participando em inúmeros painéis de conferências universitárias ou globais. Trabalha, também, no campo político, com funções consultivas, orientando os líderes para a inovação e o crescimento sustentável, e destaco, até, a colaboração com Carlos Moedas na União Europeia.
Voltando a mim, com mais um ano de Faculdade de Economia, cadeiras como Inovação e História do Pensamento Económico e curiosidade imensa sobre o papel das mulheres na Economia, aventurei-me nas conclusões económicas da sua mais recente publicação. Em janeiro de 2021, Mariana Mazzucato lançou um novo livro intitulado “Mission Economy: A Moonshot Guide to Changing Capitalism”.
As teorias da professora Mazzucato assentam essencialmente nos tópicos da Inovação e do Crescimento Económico. É caracterizada como uma economista mais “à esquerda”, no sentido em que rejeita o papel do Estado mínimo apenas enquanto regulador da atividade económica, defendido pelas perspetivas económicas mais liberais. Note-se que pelas suas contribuições académicas, também não é considerada defensora do socialismo económico tradicional. Para Mazzucato, o Estado deve ser empreendedor, aceitar o risco e investir na inovação em parceria com o setor privado (e portanto, tornar-se também dono de uma parte da produção), não devendo apenas intervir para financiar e corrigir falhas de mercado, mas formar e co-criar mercado.
Como exemplo e argumento da sua análise, a economista utiliza o caso da Missão Apollo: a ida do homem à lua. Esta missão derivou de um esforço coletivo público-privado, num ecossistema de audácia, investimento e sentido de sociedade. Este framework de missão poderá libertar o setor público da conotação pejorativa de burocracia ou inatividade. Num discurso extremamente ambicioso, Mazzucato apela a que a coordenação seja o motor fulcral para a inovação e para resolver os problemas mais urgentes da atualidade, como a pandemia, a emergência climática ou a desigualdade.
De facto, desde a recuperação frágil da crise financeira de 2008, que ouvimos e lemos variados argumentos de que o capitalismo está em crise. Existem visões mais radicais que apelam ao final do sistema, mas, pessoalmente, conto com a virtude da moderação e com a constatação de que a solução não será desistir da economia de mercado, mas adaptá-la aos tempos em que vivemos.
Mazzucato apresenta esta ideia, com temperos mais socialistas, e revela o que para si são as fragilidades do capitalismo, e que necessitam de urgente reestruturação: o setor financeiro e o setor imobiliário estão a financiar-se a si próprio; o setor privado está apenas focado nos Quarterly Reports (visão de curto prazo); a emergência climática; os governos a operar apenas numa ótica de ajuste ou reparação e não de liderança.
Para a professora, a Missão Apollo é, então, o ex-libris da atuação conjunta de Estado e setor privado, na conquista de um objetivo histórico, que desencadeou sinergias positivas para inúmeros setores e é responsável por variadas tecnologias que hoje temos ao nosso dispor. O seu sentido de missão enumera também os grandes desafios dos nossos dias que quer conquistar, falando de um Green New Deal. Mas, a grande reforma para Mazzucato é a Economia e o Capitalismo.
Começa por questionar a noção de valor, e apresenta o papel do Estado em redesenhar os mercados, organizações dinâmicas orientadas para os stakeholders em vez de shareholders apenas, bem como defende a economia enquanto sistema aberto, que conta com o envolvimento de todos na tomada de risco e investimento e sentido coletivo de missão. A sua nota final positiva é de que a mudança chegará a tempo, se utilizarmos as ferramentas necessárias e alinharmos o espírito disruptivo: o capitalismo não está condenado.
Claro está que a visão Mariana Mazzucato é algo controversa nas correntes económicas mais liberais, e podemos encontrar inclusive vários artigos de economistas que se opõem firmemente às suas ideias, argumentando que embora seja muito eloquente no seu discurso e sedutora nas questões que promete resolver, a teoria diverge da prática. Os economistas Alberto Mingardi e John Kay, por exemplo, levantam questões como o tão conhecido “trade-off” económico que não permite simplesmente apontar e atirar para as estrelas em todos os setores, e acusam, inclusive, Mazzucato, de escolher os seus exemplos de uma forma demasiado particular e específica para serem aplicados à sua ambição geral de recuperar todos os setores da economia.
E eu, enquanto jovem (semi) entendedora do assunto e com um fascínio (semi) “deal-breaker” pela mão invisível, depois de muitas leituras, pesquisas e conversas, aprecio o olhar fresco, arejado e otimista de uma mulher na economia, com ganas de mudança e compromisso, e cuja obra faz referências a outras tantas contribuições femininas.
Recomendo vivamente a leitura e pesquisa das teorias de Mariana Mazzucato a quem tiver o bichinho da economia e se quiser desafiar a pensar e a questionar não só o futuro do capitalismo, mas sobretudo da sociedade que queremos reconstruir.
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