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Menos é mais

O período de apresentação, discussão e votação do Orçamento do Estado (OE) é um dos momentos de maior tensão na política nacional, exigindo aos deputados e membros do Governo alguma arte e resiliência na negociação. Os pedidos de verbas para certas áreas e de implementação de determinadas políticas são constantes, muitas vezes alterando a ideia inicial do executivo.

de Francisco Lemos Araújo





Este ano todo o processo deu menos dores de cabeça ao Governo liderado por António Costa que, contando com a maioria absoluta do PS no Parlamento, tinha o controlo total sobre o conteúdo final do documento e a segurança de que este passaria na Assembleia da República. E assim foi. No dia 27 de maio a versão final do OE para (o resto de) 2022 foi aprovada com os votos a favor do PS e as abstenções do PAN, Livre e, de forma algo inesperada, dos deputados do PSD/Madeira.



Mesmo com maioria absoluta, o primeiro-ministro sempre reforçou a ideia de que iria governar com diálogo, afastando por completo qualquer tentação de poder absoluto. No entanto, com a garantia de que o OE nunca seria rejeitado no Parlamento, o PS poderia estar tranquilo em manter o plano traçado, evitando governar com o orçamento de “outros” e que não lhe permitisse aplicar o seu programa.



Das 1424 propostas de alteração ao OE apresentadas, o PS votou contra 1284, ou seja, 90,2%. A taxa de rejeição de propostas de alteração ao OE por parte do PS tem vindo sempre a aumentar desde 2015, altura em que assumiu de novo a liderança do Governo. A percentagem de votos contra do PS revela que este se libertou de vez das amarras da geringonça e quer, compreensivelmente, governar a sós na sua plenitude, com o seu programa de Governo e OE.



Não é de agora que as negociações do OE servem para muito mais que discutir política orçamental. Os partidos condicionam os seus votos a cedências à sua própria agenda política, levando o Governo a criar planos e implementar medidas que não faziam parte do programa inicial. Assim, o período do OE transforma-se num verdadeiro momento de discussão de políticas, transversal a todas as áreas.



Este ano não foi diferente e uma das propostas aprovadas foi do Livre na área laboral, que prevê a realização de estudo e amplo debate sobre novos modelos de organização laboral, nomeadamente sobre a semana de quatro dias de trabalho.


A economia portuguesa tem, há largos anos, problemas relacionados com a sua produtividade. Dados referentes a 2018 mostram que Portugal é o sétimo país da União Europeia que gera menos riqueza por cada hora trabalhada, sendo que os portugueses trabalham mais horas que a média dos trabalhadores na União Europeia. Ou seja, trabalhamos mais tempo, mas esse tempo não se reflete no valor produzido.



A fraca produtividade da economia portuguesa é algo que tem de ser abordado e, nesse sentido, é bom ver que existe abertura para se iniciar um diálogo sobre as políticas laborais existentes. Os portugueses não são menos produtivos porque são menos capazes, mas porque estão enquadrados num sistema que está pouco aberto aos modelos flexíveis de organização do trabalho e ainda pensa no bom trabalhador como sendo aquele que está muito tempo no escritório e fica até tarde.



A semana de trabalho de quatro dias já está a ser alvo de testes em vários países, como no Japão, Espanha e Alemanha. A Islândia passou por este processo entre 2015 e 2019, reduzindo os dias de trabalho e o número de horas semanais, tendo apresentado resultados bastante positivos, com a produtividade a manter-se ou até a aumentar em certos casos. No início deste ano a Bélgica aprovou a possibilidade de os trabalhadores poderem escolher condensar as horas semanais de trabalho em apenas quatro dias.



Em Portugal vamos agora iniciar o processo de discussão de implementação de uma fase de testes para a semana de trabalho de quatro dias, o que deve ser analisado com cuidado, definindo-se um caminho que faça sentido.



Durante a pandemia percebemos que modelos flexíveis de organização do trabalho (como o teletrabalho) permitem às empresas reduzir custos fixos mantendo (ou em alguns casos até aumentando) a produtividade. Já os trabalhadores conseguem alcançar um work-life balance melhor, o que terá impacto na sua produtividade. Além disso, o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal pesa cada vez mais na decisão de mudar de emprego.



O futuro está, por isso, num modelo de menos horas semanais e de maior liberdade na gestão dessas horas.


Como vemos pelo exemplo da Bélgica, a redução do número de dias não implica necessariamente uma diminuição do número de horas de trabalho semanais. Mas vamos apenas condensar 40 horas em quatro dias, trabalhando 10 horas por dia e ganhando um dia de descanso? A meu ver não faz sentido hipotecar quatro dias, tornando impossível nesses dias qualquer plano social fora do trabalho, para depois se ter mais um dia de descanso. Vai contra a ideia de que não é por passarmos muitas horas seguidas a trabalhar que produzimos mais. Concentrar a discussão apenas nos dias sem se abordar a redução das horas não resolve nenhuma questão.



Assim, sobram, na minha opinião, dois modelos possíveis que têm um ponto comum: reduzir as horas de trabalho semanais. Ou o fazemos mantendo a semana de cinco dias ou aliada à adoção da semana de trabalho de quatro dias, que será uma inevitabilidade atendendo ao movimento global que se tem verificado.



Portugal ainda vai a tempo de acompanhar a mudança no paradigma laboral, mas para isso tem de pensar seriamente (e rapidamente) não só a questão dos dias de trabalho semanais, mas também a flexibilização da organização do trabalho, permitindo que, dentro das obrigações mínimas de uma empresa – por exemplo, horários de atendimento ao público e horários em que o trabalhador tem obrigatoriamente de estar disponível – os trabalhadores façam uma gestão mais livre do seu tempo, equilibrando melhor a sua vida pessoal com o trabalho.



Com isto vamos certamente assistir a um aumento da produtividade, uma dinamização da economia que contará com mais um dia em que os portugueses poderão recorrer a bens e serviços e ainda (pelo menos inicialmente) a um novo fator de atração de trabalhadores que procurem melhorar o work-life balance.

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