A participação política feminina mantém-se como uma das principais questões do século XXI, com as mulheres a ocuparem somente 25% dos cargos nos parlamentos nacionais
de Marta Dias
co-coordenadora da secção de política
de Sofia Miguel Rosa / Expresso
Há mais de uma semana que se discutem os resultados eleitorais, desde a maioria absoluta do PS à eleição de 12 deputados pelo partido Chega. Na prática, discutiu-se tudo. Tudo menos o fosso do processo eleitoral: o desequilíbrio de género no hemiciclo. A avaliar pelos resultados, confirma-se que as mulheres representam pouco mais de um terço das pessoas que se sentam no parlamento. Com pequenas alterações relativas a 2019, o caminho para a verdadeira paridade de 50-50 ainda é longo.
As mulheres e raparigas representam metade da população mundial e, portanto, também metade do seu potencial. No entanto, a sua representatividade na maioria dos setores e atividades encontra-se muito aquém do seu peso. As próprias normas e valores sociais frequentemente retratam as mulheres como seres menos capazes e mais frágeis. Na política, elas são vistas como o “outro”, existindo apenas 25 mulheres como chefes de Estado e de governo. Constituem igualmente uma menor percentagem de membros de partidos políticos do que os homens. Devido à sua exclusão de áreas fundamentais, as mulheres ocupam papéis principalmente na esfera privada. Representam uma grande porção dos prestadores de serviços nos domínios da assistência social, educação e trabalho doméstico. Deste modo, a participação política feminina mantém-se como uma das principais questões do século XXI, com as mulheres a ocuparem somente 25% dos cargos nos parlamentos nacionais.
Ao analisarmos a composição do Parlamento português, podemos verificar que nos últimos dois anos somavam-se 92 mulheres, ou seja, 40% do total – a maior percentagem de sempre. Esta meta foi atingida em função das mudanças na Lei da Paridade, atualizada em 2019, que passou a exigir o limiar mínimo de 40% por género nas listas para as eleições autárquicas, legislativas e europeias. Contudo, nem a implementação de uma lei de paridade nos órgãos representativos do poder político foi suficiente para impedir a sub-representação das mulheres. Nas eleições do passado dia 30 foram apenas eleitas 84 deputadas para a Assembleia da República, representando cerca de 37,2% do Parlamento. Entre os grupos parlamentares formados, o PS conta com 45 deputadas (38,5%) e o PSD com 26 (36,6%). O Chega, a terceira força política com 12 deputados, elegeu apenas uma mulher. O Bloco de Esquerda, a CDU e a Iniciativa Liberal elegeram, cada um, três mulheres. O PAN conta com Inês de Sousa Real como única deputada eleita. A exceção é o Livre que elegeu um deputado.
A equação desequilibra-se mais olhando para os resultados das eleições autárquicas do ano passado. Segundo dados do Público, entre os 308 municípios portugueses apenas 29 (9%) novos presidentes de câmara são do sexo feminino. Foi a primeira vez desde 1985 que o número de mulheres escolhidas para liderar um executivo municipal caiu. Esta descida confirma a existência de desigualdades estruturais nos partidos políticos bem como as interpretações contrárias à entidade da Constituição e das leis europeias.
Estes resultados surgem da “construção masculinizada” da noção de liderança. Conforme as mulheres tendem a ser retratadas como sensíveis e empáticas, traços como a independência e a assertividade – qualidades associadas a líderes – são frequentemente atribuídas aos homens. Não obstante, vários estudos defendem que liderança feminina tem o potencial de influenciar tanto os indivíduos como a sociedade. As mulheres destinam-se a: resolver crises nacionais sem recorrer à violência, defender questões sociais que beneficiam todos, e atribuir orçamentos favoráveis à saúde e à educação. Promovem ainda a participação direta de mulheres na tomada de decisões públicas e asseguram uma melhor representação de género.
Um claro exemplo deste quadro é a liderança da primeira-ministra da Nova Zelândia. O governo de Jacinda Ardern definiu a política de combate à pobreza infantil como princípio chave a ser priorizado nos próximos anos. O país irá construir novas escolas e salas de aula, e providenciar apoio à saúde mental a todos os estudantes em idade escolar primária, intermédia e secundária. Posto isto, poderá alegar-se que a participação política das mulheres é uma condição necessária para alcançar a igualdade de género e a verdadeira democracia.
A inserção de quotas é um instrumento poderoso para aumentar a participação das mulheres na política, porém é necessário conjugá-las com outras iniciativas.
Os dados acima apresentados são reveladores das falhas do Estado na paridade. Como referido, embora a Lei da Paridade já tenha sido alterada, esta não só foi incapaz de fomentar a representação das mulheres, como permitiu um decréscimo na sua já diminuta representação em cargos como o de presidente de câmara.
A solução passa, desta forma, por uma alteração na lei que feche as ranhuras do sistema eleitoral. Neste quadro, a professora universitária e investigadora, Eva Macedo, propõe que os partidos tenham também de cumprir a quota de 40% para os cabeças de lista na contabilidade geral das listas que apresentam. Esta alteração significaria que pelo menos 40% dos candidatos dos partidos fossem do sexo feminino, aproximando assim a representatividade do limiar de paridade.
A inserção de quotas é um instrumento poderoso para aumentar a participação das mulheres na política, porém é necessário conjugá-las com outras iniciativas. A título de exemplo, a aplicação de planos e orçamentos que promovam a sensibilização sobre a importância da educação das raparigas.
Por sua vez, a educação das mulheres ajuda a quebrar a pobreza intergeracional e impulsiona o crescimento económico nacional. O investimento, nomeadamente em formação e campanhas, também produz múltiplos benefícios. Por fim, é indispensável que os partidos políticos reconheçam as desigualdades estruturais que viabilizam a sub-representação das mulheres e difundam a igualdade de género como um valor fundamental.
Apesar dos esforços globais, a desigualdade de género continua a ser um grande obstáculo ao desenvolvimento das sociedades em todo o mundo. As mulheres ainda possuem uma voz mais fraca e menos influência na esfera pública do que os homens; são mal representadas no trabalho remunerado e predominam no trabalho doméstico. Os números não enganam: 84 deputadas, 8 ministras e 29 presidentes de câmara eleitas é o balanço de quase meio século de democracia em Portugal. Enquanto este for o cenário, a equação será sempre desequilibrada.
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