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Netflix sem chill

em era de confinamento, as decisões arrojadas e impulsivas estão extintas, o dia a dia é obrigado a resignar-se no “apreciar dos pequenos momentos”

Crónica de Beatriz Viana

Estudante de Licenciatura em Economia, FEP


Há, atualmente, mais de 7 plataformas de streaming disponíveis em Portugal: as já bem conhecidas Netflix, HBO e Amazon Prime, bem como Apple TV + e a Disney +. Para amantes de cinema, há ainda também a MUBI e a Filmin. A SIC lançou a OPTO. Descubro, à data que escrevo, que foi anunciado este mês que uma nova plataforma, - o Discovery + - que chegará entre 2021-2022.


Ver uma série deixou de ser apenas “ver uma série”: é ser parte de uma comunidade. “Não viste La Casa de Papel?”, “Preciso de um tabuleiro de xadrez.”, “Nunca mais comi carne depois de ver aquele documentário.” Para além da análise crítica (excessiva, na minha opinião) a tudo o que é desfrutado por nós ou pelo resto do agregado familiar, as escolhas intensificam: que plataforma subscrever, ver série ou filme, documentário ou musical. Se a Netflix tivesse aparecido mais cedo, não sei como lidaria com o facto de saber que provavelmente não era espectadora dos conteúdos do top 10 Portugal.


Com tanto conteúdo disponível, e dado que, em era de confinamento, as decisões arrojadas e impulsivas estão extintas, o dia a dia é obrigado a resignar-se no “apreciar dos pequenos momentos”. Desespero agora, porque até uma das minhas preferidas atividades de escape – uma boa sessão de sofá - é fonte de uma certa inquietude, um sentimento culposo de FOMO de outra atividade inútil qualquer.


Acumulam séries na “minha lista”, vejo trailers de todos os filmes que devia (mas não quero) ver, e pergunto-me constantemente como é que ainda é possível, no ano de 2021, estar mais de 40 min sentado sem pensar nos afazeres futuros ou nas preocupações do momento. Dou por mim paralisada entre a panóplia ao dispor de um clique e a pressão interior de querer ver algo que tenha valor acrescentado.


Recordo, com alguma nostalgia, tempos em que séries e filmes que hoje admitiria somente como guilty pleasures não eram motivo de embaraço e em que desfrutar de uma série era, essencialmente, apenas isso:

Começou por ser Glee. Ver Disney Channel deixou de ser socialmente aceite no 5º ano, e o ritual de passagem para a FOX era inevitável. Morangos com Açúcar, só no verão, porque sair da praia a correr às 18:45 é uma ideia razoável apenas quando justificada pela presença de Lourenço Ortigão em casaco de cabedal. Devorei Castle, Gossip Girl, Bones. Bem haja as gravações de 7 dias, que proporcionaram momentos de absorção em frente ao AXN White.


Ainda em retrospetiva, tento perceber porque é que esse sentimento de sonhar acordado e esquecer os trabalhos de casa, que havia para fazer ao domingo à tarde, desvanece no tempo. Pode ser pelo Paradoxo da Escolha (apresentado por Barry Schwartz no seu livro The Paradox of Choice – Why More Is Less, que recomendo às leitoras e aos leitores com indecisão crónica), pode ser pela responsabilidade da idade em “ter mais que fazer”.


Percebo que a culpa não é da tecnologia, muito menos de Reed Hastings. A frustração da escolha do entretenimento nada tem que ver com um tonar-se mais culto, ou digno de saber. Decreto a claustrofobia mental pandémica como culpada. Acabado o confinamento é favor esgotar o apreciar dos pequenos momentos e cancelar a subscrição de viver pelo ecrã. Assino aqui a petição de revolta em favor do simples descanso. Desconfinar o guilty pleasure, venha o puro prazer. Mais living, menos streaming.

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