Acredito que possamos estar a viver um momento definidor no curso da História, a nossa geração não havia ainda passado por um acontecimento que fosse tão comum e unificador como esta doença. Creio que as consequências são ainda imprevisíveis, mas aguardo-as com expectativa e curiosidade
Ilustração de Francisco San Payo
Estudante de Desenho na FBAUL
Crónica de José Rodrigues
Estudante de Medicina da FMUL
Há cerca de um mês para cá, o nosso ideário comum foi abalado por um acontecimento sem precedentes. Os projetos sonhados, os momentos agendados, os bilhetes comprados ou os destinos marcados foram-se esfumando perante o nosso olhar atónito e desconcertado. Com um encolher de ombros resignado, reconhecendo a nossa impotência perante um inimigo invisível que ceifa (muitas) vidas, tivemos de nos adaptar a um novo e forçado modo de viver - ou sobreviver - dependendo do sentido valorativo do que é para cada um de nós “viver” (e que daria certamente azo, só por si, a muitas crónicas e discussões).
Efetivamente, o SARS-COV-2 é um vírus que está disseminado à escala global, o que motivou a classificação da doença que provoca, a COVID-19, de pandemia no dia 11 de março. Infetando tanto o cidadão comum, como figuras de destaque das artes, da política, ou do desporto, pode aparentar uma certa transversalidade nas pessoas acometidas. No entanto, ao nível das suas repercussões, as mesmas serão mais desiguais. Serão as pessoas mais frágeis, com menos acesso aos cuidados de saúde e com maior comorbilidades (chavão utilizado para indicar que um indivíduo tem uma ou mais doenças concomitantes) as mais afetadas por esta pandemia.
Como estudante de Medicina, tenho acompanhado com interesse e atenção os vários comunicados e as múltiplas informações, declarações e discussões difundidas por diversos quadrantes da sociedade, órgãos públicos com responsabilidade nesta crise e especialistas. E o meu primeiro comentário relativamente a esta experiência é que o fluxo de informação é tremendo. Estamos a viver simultaneamente uma emergência global numa era de cidadãos planetariamente conectados e uma experiência in vivo e em tempo real. Desta forma, quer ao nível da sociedade, quer ao nível da Academia, a partilha de experiências sensoriais, situações corriqueiras deste dia-a-dia em distanciamento, dados clínicos, experiências laboratoriais ou conclusões científicas é estonteante. E, num momento em que ainda temos muitas dúvidas e poucas respostas certas, isto é bom. Por um lado, sentimos que estamos, como grupo, a viver a mesma situação, a deparar-nos com os mesmos dilemas e anseios. Por outro, conseguimos, de forma mais hábil e célere, ter informação fidedigna para auxiliar decisões, comparar diferentes intervenções e os respetivos outcomes e, em última instância (acreditamos...) salvar mais vidas.
No entanto, esta difusão e acesso instantâneo a informação traz o reverso da medalha: as propaladas fake news. Pessoalmente, vivenciei pela primeira vez este problema aplicado à COVID-19 com a difusão de áudios no Whatsapp em que, alegadamente, médicos comentavam situações catastróficas nos hospitais portugueses (situação inclusivamente analisada no Polígrafo). Apesar de me considerar razoavelmente capaz de identificar o fenómeno, confiei a princípio nestas mensagens. Assim, tenho em crer que, nesta situação de crise, a difusão em massa de informação não credível será para alguns uma oportunidade que pode ter consequências graves, para a qual devemos estar alerta e combater ativamente.
Finalmente, duas últimas notas enquanto jovem. Acredito que possamos estar a viver um momento definidor no curso da História, sendo que a nossa geração não havia ainda passado por um acontecimento que fosse tão comum e unificador (apesar de estarmos distantes) como esta doença. Creio que as consequências são ainda imprevisíveis, mas aguardo-as com expectativa e curiosidade. No nosso país, várias iniciativas de intervenção social e apoio voluntário aos que, neste momento, mais precisam foram já postas em prática. Dependendo da evolução da situação, poderemos também, de acordo com as competências de cada um, fazer a diferença neste desígnio que é (inter)nacional.
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