“Nas salas, deve, quando possível, garantir-se um distanciamento físico adequado entre as pessoas, sem comprometer o normal funcionamento das atividades letivas presenciais.”
de Teresa Brito e Faro
Lê-se no Documento de Orientações às Instituições Científicas e de Ensino Superior para garantir a realização de atividades letivas e não letivas presenciais. Curiosamente, no universo das faculdades de Direito em Portugal, onde a interpretação da lei não deveria representar um substancial desafio, as aulas à distância continuam a ser regra. Ainda assim, ao contrário da realidade do último ano letivo, os estudantes não se têm de preocupar com a solidão e a falta de confraternização com os colegas, uma vez que já na sexta-feira terão a liberdade de entrar numa discoteca sem máscara nem, para já anunciado, qualquer limite de lotação.
A quem aponta incoerências a esta realidade, permitam-me partilhar a lógica (descodificada por mim) que sustenta a classificação de uma aula teórica com 100 alunos sentados e de máscara como colossalmente perigosa, quando comparada a uma festa com centenas de pessoas encafuadas numa cave não ventilada.
O primeiro possível raciocínio pode ser o de prever que ninguém saia de casa na noite de 1 de outubro, apenas por medo de ouvir a good 4 u muito alto ou de ser visto a dançar depois de um ano e meio sem prática. Não vejo mal nenhum em aceitar que precisamos de pelo menos um mês de preparação em festas caseiras antes de pagarmos 20€ para pisar chão pegajoso. Com tão baixa adesão, os bares e as discotecas continuarão, sem dúvida, mais seguros do que as aulas presenciais.
Por outro lado, a estratégia poderá ser a de levar o máximo de população possível a sair no dia 1, traumatizando todos e garantindo que não voltam a sair de casa durante algumas semanas. Algo como um confinamento voluntário causado por uma experiência de tortura social. Se duvidam da eficácia deste método, imaginem passarem horas numa fila, à chuva (não deixa de ser suspeito terem escolhido o outono para esta reabertura), só para entrarem num espaço semelhante a uma lata de sardinhas – em vez de sardinhas, pessoas, e, em vez de azeite, suor -. Falo por mim quando digo que me resguardaria uns dias antes de voltar a arriscar qualquer tipo de contacto social.
Quanto ao perigo nas faculdades, comecemos pelo risco para os docentes (na sua grande maioria em idade de risco), agravado pela postura altiva com que deambulam pelos corredores e que propicia a inalação as partículas expiradas pelos alunos. E não nos esqueçamos da reputação dos estudantes de Direito: faz sentido que a sua conhecida generosidade constitua um fator de preocupação, dando azo à constante e perigosa troca de apontamentos e bibliografia.
Todas estas linhas de pensamento me parecem justificar que fará todo o sentido chegarmos a casa de uma festa académica às 5h da manhã, para abrirmos o Zoom às 9h. No entanto, se nenhuma das teorias for suficientemente convincente, resta-nos assumir o papel que nos atribuíram: de esquecidos, sacrificados e coitadinhos.
Com tudo o que tantos passaram desde Março de 2020, tenho evitado a dramatização da situação em que deixaram os universitários, mas há que admitir, o papel de calimeros assenta-nos quase tão bem como a Thatcher à Meryl – só não somos feitos de ferro.
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