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Não nascemos humanos

Dizem que um livro é o que de mais humano encontramos no mundo dos objectos inanimados. Logo a seguir virá a música, o cinema, a televisão – tudo aquilo com o poder de nos fazer sentir, quer tenha alguma ligação às nossas experiências pessoais, quer nos apresente mundos completamente novos.

de Teresa Brito e Faro

















Ouvirmos uma música, lermos um poema ou apreciarmos uma pintura significa acedermos ao mais íntimo do seu criador. Significa termos, à distância de um telemóvel, cinema ou museu, um cartão de acesso total às cabeças e corações de algumas das pessoas mais interessantes que já passaram pelo mundo. Mais do que isto, das pessoas que mais talento têm para captar a experiência humana e dissecá-la de forma cativante.


Não surpreendentemente, diversos estudos comprovam que leitores ávidos (particularmente, de ficção) desenvolvem mais empatia e inteligência emocional do que a média. Devemos à arte muita da nossa capacidade de compreendermos bem os outros e de identificarmos as nossas próprias emoções. Não existe uma forma de comunicar, de modo tão universal e eficaz, o que é o amor, a saudade, o medo ou a solidão.


Se dependermos apenas das nossas experiências pessoais para construirmos uma certa perspectiva do mundo, entramos numa tentativa inútil de nos relacionarmos sem conhecimento do outro.

Esta premissa não nos impediria de racionalmente reconhecer que os outros agem de modo diferente, porque vivem vidas completamente distintas, com outras alegrias e desafios. Contudo, ao educarmos a nossa consciência com o consumo de arte - que, no fundo, é o consumo de histórias - aproximamo-nos de uma mundividência mais real, tolerante e completa.


Com 8 anos, chorei com a Miley Stewart a traição do Jake Ryan na série Hannah Montana. Com 12, quando devorei sofregamente o livro “Mulherzinhas“, torci pela realização pessoal das irmãs March, como se a minha própria felicidade dependesse disso. Aos 14, com a rapariga que roubava livros e o judeu que vivia na sua cave, descobri que amizade era mais do que escolher passar o tempo com alguns colegas da escola. Aprendi o que era um coração partido com a Adele e como ultrapassá-lo com a Avril Lavigne.


Uns anos depois, autores como a Toni Morrison, o Paul Beatty e a Chimamanda Adichie abriram-me os olhos para histórias de pessoas completamente diferentes de mim e expuseram a nu, em papel, emoções que nunca senti nem sentirei em primeira mão.


É a arte que nos liga naquilo que temos em comum - quantas pessoas é que não acham que a curta-metragem do “All Too Well” da Taylor Swift foi baseada nas suas vidas? – E naquilo que temos de diferente - quantas é que nunca passaram por nada de semelhante e berram a letra desta música como se o Jake Gyllenhaal lhes tivesse pessoalmente destruído a vida?

A consequência disto é o facto de, tanto quanto a educação que recebemos em casa, ou quanto as conversas que temos com os nossos amigos, existirem personagens fictícias e artistas que nunca conheceremos que, para o bem e para o mal, definirão as pessoas que somos.

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