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Não é um Cachimbo, é arte ao Domingo


“Territórios desconhecidos: a criatividade das Mulheres na cerâmica moderna e

contemporânea portuguesa (1950-2020)”, Museu Nacional do Azulejo (MNAz)



[Fotografia de Mariana Valle Lima, MNAz, 2022. Fonte aqui]


Neste maio florido e de temperaturas oscilantes, falamos novamente de uma arte que, embora não domine, muito me fascina, como expliquei na crónica “Cerâmica, a arte do desapego”. Falamos também de mulheres que marcaram a história da arte e da cultura portuguesa, tais como a poeta Natália Correia e a artista plástica que homenageei na minha primeira crónica “Lourdes Castro, a luz que vivia das sombras”. Estas duas mulheres tiveram um papel revolucionário, cada uma à sua maneira, e talvez por isso partilhem a entrada desta exposição temporária no Museu Nacional do Azulejo (MNAz).


Temos à nossa frente a “Sombra Convite” (1980-90) de Lourdes Castro, que representa a figura de uma mulher recortada (tão característica das obras da artista, que frequentemente criava sombras recortadas ou projetadas em plexiglas), mas desta vez em faiança esmaltada e recortada, aludindo ao vulgo azulejo, em tons de azul. Do lado esquerdo, a seguir ao título da exposição, lemos os versos de Natália Correia “Pela futura manhã dos grandes transparentes, // Pelas entranhas maternas e fecundas da terra, (...)”, o que nos remete para a cerâmica, o barro e as origens e a fecundidade das criações destas 55 artistas, muito à frente do seu tempo, de olhos postos no futuro, que são agora reconhecidas nesta exposição com curadoria de Maria Helena Souto.


A mostra tem como objetivo trazer à luz as obras destes grandes nomes que se reúnem em três salas expositivas e que, adicionalmente, encontramos a dialogar pelos corredores, com outras obras da exposição permanente do Museu Nacional do Azulejo (MNAz). Ânia Gabriel Abrantes, Bela Silva, Cândida Wiggan, Catarina e Rita Almada Negreiros, Clotilde Fava, Estrela Faria, Felipa Almeida, Fernanda Fragateiro, Graça Morais, Joana Vasconcelos, Maria Ana Vasco Costa, Maria Emília Araújo, Maria Keil, Rita João, Sónia Sapinho, Teresa Cortez e Vieira da Silva são alguns dos nomes em destaque, além do restauro de duas peças de Menez.


Podia falar dos painéis de Maria Keil e de Vieira da Silva, do croché de lã de Joana Vasconcelos ou do mundo lúdico de Teresa Cortez. Porém, vou arriscar introduzir ainda outra exposição patente no museu, para dar destaque a obras que nos fazem viajar pelo tempo.




[Obras de Teresa Segurado Pavão, no MNAz. Fotografia de Joana Soares]


É o caso da exposição “Mare Ossos Tellus”, que encontramos no Coro Alto do Convento da Madre de Deus, numa sala cuja função seria a de capela-relicário. Neste cenário antigo, que nos transporta para a beleza claustrofóbica do barroco, encontramos 25 obras da artista Teresa Segurado Pavão. Neste “relicário” que associamos à preservação, ao que é valioso e ao que perdura além da morte, encontramos peças de barro branco, onde a artista incorporou ossos encontrados na praia e no campo, decorados com prata e ouro. A simplicidade e a beleza destas peças é tão apaziguadora quanto desconcertante, se pensarmos na utilidade dos ossos para criar arte que perdure, que seja exibida em museu e que até sirva para tomarmos refeições. O barro leva-nos às origens e ao pó. O mar, a praia e as ondas aludem à renovação e à inevitabilidade do ciclo da vida. Um contexto intrigante, que vale a pena visitar.



[“Presente” (2011), de Catarina e Rita Almada Negreiros, no MNAz. Fotografia de Joana Soares]


Se a morte e a transcendência pairam sobre as obras de Teresa Segurado Pavão, é o painel “Presente” (2011), de Catarina e Rita Almada Negreiros, que nos traz de volta à vida, ainda que carreguem no nome uma preciosa herança. Criado a partir de faiança de “azulejos cinéticos”, produzidos pela Fábrica Viúva Lamego, esta obra dificilmente é ignorada na sala expositiva onde se encontra. As netas de Sarah Affonso e José Almada Negreiros seguem as passadas criativas e arrojadas dos seus avós, mas com identidade própria que assumem no atelier de arquitetura CAN-RAN, na Rua de Santa Catarina, em Lisboa.


Além destas obras, há tantas outras para descobrir no museu instalado no Convento da Madre de Deus, mandado edificar por uma mulher, a “Rainha Perfeitíssima” D. Leonor (1458-1525), que encomendou uma série de obras de pintura, iluminura, cerâmica, têxteis e escultura, para este espaço onde os azulejos coloridos decoram as paredes.





[Espaços verdes e suculentas entre azulejos, no MNAz. Fotografia de Joana Soares]


“Com origem na palavra árabe, azzelij ou al zuleycha, que significa “pequena pedra polida”, designa uma peça cerâmica, geralmente quadrada, em que uma das faces é vidrada”. Não deixa de ser curioso que o percurso recomendado à priori por um dos seguranças seja o da exposição permanente, já que é importante contextualizar as origens da utilização do azulejo em Portugal, para depois poder apreciar com outros olhos a irreverência e a vanguarda destas 55 artistas, mulheres e ceramistas portuguesas. Depois de sairmos por aquela que seria afinal a entrada da exposição temporária, deixamos o convento da Madre de Deus em Xabregas, com todas estas inspirações a pairar sobre nós, principalmente, a artista plástica Lourdes Castro e a poeta Natália Correia, como representação das figuras incontornáveis que, de alguma forma, sempre questionaram e se recusaram a estar na sombra.


“Territórios desconhecidos: a criatividade das Mulheres na cerâmica moderna e contemporânea portuguesa (1950-2020)” pode ser visitada no Museu Nacional do Azulejo (MNAz), em Xabregas, de terça a domingo, das 10h00 às 18h00 (encerrando à hora de almoço), até ao dia 26 de junho de 2022. A entrada tem o custo de 5€ e é gratuita aos domingos. Isto não é um cachimbo. É arte ao domingo!

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