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O (botão de) pânico de um Estado de Direito

Crónica de Gonçalo Mesquita Ferreira

Licenciado em Direito / Mestrado em Direito Administrativo


Chegou demasiado tarde a demissão da (agora) ex-diretora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Cristina Gatões. O Silêncio em que esteve durante meses, como se não tivesse acontecido nada, e a entrevista por si dada há pouco tempo, onde abordou o tema da morte do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk às mãos dos inspetores do Serviço pela qual é responsável, revelam o pouco cuidado que houve no tratamento de um caso com esta gravidade.


Quando existe uma diretora de um Serviço, com o papel fundamental como o do SEF, que admite que existem (recorrentes) casos de tortura dentro desse organismo e não apresenta a sua demissão logo de seguida, algo vai muito mal!


Em abono da verdade, diga-se que Portugal sempre foi reconhecido, no panorama Europeu, como um bom exemplo pelas boas práticas adotadas neste domínio, designadamente por não ter centros de detenção, mas de instalação temporária.


Mesmo ainda estando em curso um processo judicial de averiguação à morte deste cidadão, e mesmo depois da ex-diretora do SEF ter admitido que Ihor tinha sido alvo de tortura às mãos do Estado - tendo sido agredido até à morte por três inspetores do SEF por recusar voltar para o seu país - o Ministério da Administração Interna ainda não retirou, deste caso, todas as (necessárias) conclusões.


Isto porque, na sequência deste lamentável e inadmissível acontecimento, ocorrido em março, altura em que as circunstâncias e os motivos destes factos foram sendo clarificados, que se tornou claro que a violência e a impunibilidade são marcas dominantes no SEF.


Tal resulta claro, quer através das declarações da ex-diretora do Serviço, quer através o relatório da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI).


Este último demonstra que não só o SEF torturou e matou um cidadão, como também tentou encobrir o ato, já que ficou demonstrado que o cidadão foi manietado, agredido e deixado a asfixiar até à sua morte e que, posteriormente, os serviços tentaram ocultar a “verdade com a consequente obstrução à instrução de processos de natureza criminal e/ou disciplinar”.


Mais grave, este relatório acrescenta que o serviço do SEF se caracterizava por “diversas ilegalidades, muita descoordenação, informalidade, desgoverno e incúria”.


Desta forma, e mesmo que ainda esteja em curso um processo judicial de averiguação sobre toda esta situação, há consequências políticas que urgem ser retiradas desta situação.


Incumbe ao Estado, e com especial premência, ao Estado Português - enquanto Estado de Direito Democrático onde todos e todas são iguais, desde logo, perante a Lei - garantir a segurança e proteção dos cidadãos e, sobretudo, dos que estão à sua guarda e que aqui procuram novas oportunidades de vida e dignidade. Sem ocultações e, mais ainda, sem exceções!


Só perante um Estado em cujos seus serviços atuem de forma legal, transparente, e em que os seus funcionários sejam competentes e estejam motivados, é possível haver uma relação de confiança entre este, os seus representantes e os cidadãos.


Outro sinal de que as coisas vão muito mal é quando se propõe que a solução para um problema que é estrutural passa por um regulamento do SEF, proposto pela sua direção, da existência de um botão de pânico. Esta é a demonstração infeliz de que não existe no SEF capacidade para lidar e resolver este tipo de problema, que suscita grandes questões e ansiedades a qualquer cidadão.


É por isso evidente que todos estes problemas estruturais não se resolvem com a criação de um (simples) botão de pânico em cada umas das salas do Centro de Instalação Temporária (CIT) do SEF no Aeroporto de Lisboa.


Depois da prestação dos devidos esclarecimentos à família da vítima e da atribuição de uma justa compensação, o Ministério da Administração Interna deve agir politicamente no cerne do problema, levando a cabo uma profunda reformulação no SEF, quer ao nível da sua estruturação, quer ao nível da sua política de atuação e no reforço (incluindo o de instrução) dos seus funcionários.


Como disse o Presidente da República, com o qual não poderia estar mais de acordo: “Importa verificar se há ou não há um pecado mortal do sistema. Se há, então este SEF não serve e tem de se avançar para uma realidade completamente diferente".

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