A mensagem de Clint Eastwood é clara: as democracias, também, podem comportar-se para com os seus cidadãos de forma muito semelhante aos regimes totalitários, sobretudo quanto mais massificadas forem.
O novo ano de 2020 chegou com mais um filme do veterano realizador Clint Eastwood, que, próximo de completar 90 anos de idade, atravessa talvez um dos períodos mais férteis da sua carreira em termos de produção cinematográfica. “O caso de Richard Jewell” conta-nos a história de um vigilante que aspirava pertencer às forças de segurança e que, durante os Jogos Olímpicos de Atlanta no ano de 1996, ajudou a salvar centenas de vidas humanas alertando as autoridades para a presença de um engenho explosivo no Centennial Park durante os festejos dessa efeméride.
Se, numa primeira fase, Jewell é considerado como um herói pela imprensa, devido à sua ação, depressa esse estado de graça se desvanece após uma jornalista, Kathy Scruggs, ter tornado público que Richard Jewell é alvo de uma investigação por parte do FBI por ser suspeito de ter encenado o atentado, informação que conseguiu arrancar do agente Shaw, com a premissa de que Jewell “é um homem branco frustrado que vive com a mãe.”. Na verdade, esta premissa e toda a trama que a envolve são o cerne da mensagem política e social que Eastwood pretende passar nesta sua composição.
Nesta trama, onde se denota a orientação libertarian conservative de Eastwood, coloca-se o foco na preocupação que é, agora, a mais premente desta matriz ideológica no atual panorama político dos Estados Unidos da América. Os “poderes instalados” - o “sistema” - persegue o homem “médio”, o tal homem branco frustrado que vive com a mãe (o perfil traçado pelo FBI sobre Jewell), e nada faz contra os verdadeiros prevaricadores “os outros”/”os estranhos”.
Fica patente a facilidade como duas instituições pendulares de um Estado Democrático do mundo moderno – o poder governativo/judicial e a comunicação social –, ignorando os direitos fundamentais de cada um dos Richard Jewells “desta vida”, promovem quotidianamente verdadeiras situações de caça às bruxas, julgamentos e linchamentos públicos instantâneos.
A mensagem de Clint Eastwood é clara: as democracias, também, podem comportar-se para com os seus cidadãos de forma muito semelhante aos regimes totalitários, sobretudo quanto mais massificadas forem. É explicita e desinquietante a forma deliberada e irresponsável como as entidades envolvidas no caso de Richard Jewell e as pessoas que as compunham se empenharam em persegui-lo e julgá-lo de forma arbitrária e sumária.
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