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O Cavaquismo de Tim Walz

De Maria Miguel Simões

Esta crónica não é uma análise política sobre Tim Walz; é uma análise à forma como em Portugal se olha para as eleições nos Estados Unidos.

À primeira vista, o meu título parece uma alucinação, mas na verdade este foi um argumento usado na rede social X para criticar a direita que não se identificou com o candidato Democrata para vice-presidente.


Valeu uma risada e depois fiz uma reflexão sobre como a noção de espectro político é algo realmente volátil e de como esta ciência não é matemática.


Tim Walz, governador de Minnesota, é um democrata que em Portugal facilmente conviveria com uma ala mais velha do nosso Partido Socialista.

Um bom patriota que equilibra o rural com uma carreira de ensino, que ampliou programas de refeições escolares gratuitas, protegeu a liberdade e os direitos reprodutivos, fortaleceu os direitos de voto de minorias e investiu em energias renováveis.


Além disso, autorizou cortes de impostos para a classe média e expandiu a licença remunerada para os trabalhadores do estado, e ainda fez o maior investimento em educação pública na história do estado de Minnesota.


Para mim (alguém de uma direita mais ortodoxa, protecionista e nacionalista), arrisco-me a dizer que o único radicalismo aqui é realmente ver um norte-americano com o mínimo de preocupação em seguir ideias de um Estado-Social.

É de facto radical observar um dirigente estadunidense a ter este tipo de preocupações, mas entendo que para a nossa nova direita, que já deixou o conservadorismo para ser reacionária, e já deixou o liberalismo económico para ser libertária, o radicalismo aqui esteja mesmo presente.


O que me fez mais confusão foi a crítica a um possível candidato de “extrema-esquerda” falando de política norte-americana enquanto um observador europeu; compreendo que um norte-americano republicano assombrado com a ideia do socialismo, preso na Guerra Fria, olhe para um tipo de intervencionismo e deseje que o Tio Sam vire neocapitalista, rotulando Walz, Biden e Kamala de socialistas/extremistas/comunistas.


No entanto, o que não consigo compreender é que um europeu completamente inserido num país dependente de medidas estatais perfeitamente enquadradas às necessidades do seu país, onde a iniciativa privada vive em total liberdade, tenha a mesma postura.


Os espectros não podem ser iguais; para mim, falar em direita VS. esquerda nos Estados Unidos parece-me até a premissa errada, faz-me mais sentido falar em progressismo VS. conservadorismo, intervencionismo VS. liberalismo, e depois é o contexto face à necessidade.

Os Estados Unidos não precisam nem têm uma tradição de welfare (bem-estar) tão importante como muitos europeus e particularmente nós, portugueses, mas isso não invalida que não precisem dele e não recorram a ele quando necessário.


E foi essa necessidade e contexto que deram sucesso e apoio a Tim Walz. Se isso dará a Kamala Harris uma vitória, não sei.


Mas observo com bons olhos uma campanha que se renovou com imensa qualidade depois de Biden e da sua retirada tardia, com dois candidatos mais sérios, éticos e sãos mentalmente que o adversário Donald Trump, que se escolheu rodear de conspiracionistas e acusa uma postura sabuja e pouco credível desde que saiu do cargo de Presidente. 


Em Portugal, para a direita atual que abandona cada vez mais a importância de políticas quer sociais, quer estatais, este ligeiro elogio far-me-ia de esquerda, vivo bem com isso, mas pergunto-me onde estarão posicionados os críticos republicanos à campanha de Trump para a direita portuguesa, serão também perigosos radicais de extrema-esquerda?


Excetuando as matérias sociais onde Cavaco Silva é um conservador em relação ao próximo possível VP democrata, realmente já houve uma direita com uma noção e um posicionamento claro sobre a importância do Estado e da sua intervenção em respeito com a iniciativa privada, numa visão keynesiana como o próprio se identificava, em que obras públicas ou um 14º mês para pensionistas não eram vistas como radicalismo.


Então, foi realmente o Partido Democrata da recente Kamala Harris que se extremou ou foi a nossa direita que mudou e olha para o mundo de um prisma sem rigor e sem imparcialidade?

Há cavaquismo em Tim Walz ou há apenas uma ala num partido catch-all num sistema bipartidário de uma das maiores potências do mundo? Para mim é obvio, não há cavaquismo algum nem parecença em ambas estas figuras, há sim uma grande lacuna de uma direita que se foi com Cavaco na sua representação e moderação, e uma grande falta de rigor de análise ao que se passa ao nosso redor.

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