de Madalena Prata
“Alguma vez sonhaste com uma versão melhor de ti mesmo? Mais jovem. Mais bonita. Mais perfeita.”
Este podia ser o slogan do novo medicamento anti-envelhecimento ou a definição da co-dependência vampiresca de Bryan Johnson com o filho. Neste caso, é o pacto faustiano a que Elisabeth Sparkle (Demi Moore), uma atriz esquecida que é despedida do seu programa televisivo de fitness no dia em que completa 50 anos, se submete para colmatar o seu declínio do privilégio de beleza. Vítima das suas inseguranças, a celebridade adquire uma substância que gera, mitoticamente, uma versão substituta, melhorada e jovem, protagonizada por Margaret Qualley, Sue. Contudo, a cláusula deste serviço de subscrição tem de ser escrupulosamente cumprida: Sue tem uma longevidade de apenas sete dias consecutivos. Após este período, a substância precisa de ser regenerada, e é imperativo devolver a atividade a Elisabeth.
O segundo filme escrito e realizado por Carolie Fargeat, o body horror A Substância, satiriza, sem subtilezas, a ansiedade e o medo de envelhecer, bem como a perpetuação dos padrões de beleza impostos na indústria do entretenimento e na sociedade. Os corpos de Demi Moore e Margaret Qualley são expostos a transformações grotescas e absurdas. O comentário desta fábula é cru e direto, não oferecendo alternativas, apenas espelhando a obsessão em manter o privilégio de beleza.
A escolha de Demi Moore para protagonista confere uma metatextualidade à sua prestação irrepreensível, tal como a de Qualley. Ambas oferecem uma intensa entrega corpórea, que tem sido alvo de controvérsia desde a premiação de melhor guião no Festival de Cannes, este ano, nomeadamente devido ao uso do exagerado olhar masculino. Porém, este olhar é tão prolongado que a licra e os movimentos sexuais de Sue, durante as filmagens do programa de fitness, se tornam progressivamente repugnantes. Este sentimento é transferido para os produtores executivos, quando o único defeito que veem na versão melhorada de Elisabeth é ela “não ter as mamas nos olhos,” o que apenas alimenta a tese de Fargeat.
Contudo, é-nos oferecido apenas um pulsante estado de arte sem qualquer solução ou alternativa sobre como enfrentar os preconceitos associados à imagem e ao envelhecimento. Segundo vários estudos, são atribuídas características positivas a pessoas mais atraentes, como serem mais sociáveis, de melhor caráter, confiáveis e, normalmente, mais bem-sucedidas. Independentemente das diferenças físicas, há uma íntima correlação entre beleza e simetria. Porém, os estudos revelam um grande bias de género; por exemplo, mulheres menos atraentes ou homens menos inteligentes são considerados menos humanos.
Num mundo que nos força a olhar para nós mesmos, seja nas redes sociais ou nos quadrados do Zoom, torna-se apetecível — ou compulsoriamente profilático — modificar os nossos atributos fenotípicos que não respeitam a sequência de Fibonacci, para evitar os temíveis efeitos da gravidade e da baixa produção de colagénio. O que significa alterar as nossas características físicas? Os procedimentos cosméticos vão desde a depilação a laser até rejuvenescimentos vaginais. Até onde iremos para alcançar ideais estéticos que perpetuem ou conquistem o privilégio de beleza? São questões subjetivas, havendo uma clara distinção entre um sorriso corrigido com aparelho e uma bichectomia ou um alongamento ósseo.
A Substância questiona alegoricamente a causa da submissão a tais intervenções e espelha a ilusão de que temos controlo sobre os nossos corpos, que nos traem e desobedecem constantemente.
P.S. Não acredito que escrevi sobre body horror sem mencionar Cronenberg. Enquanto esperamos pela estreia de The Shrouds, não percam A Substância.
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