Crónica de Miguel Cruz
Acompanha pela ilustração de João Moreira
Aqui há dias escreveu, no Crónico., um artigo o João Moreira da Silva (o texto, doravante), muito partilhado e de enorme qualidade - como qualquer texto escrito no dia anterior à sua publicação (menos este).
Pelos méritos que vi nele, entendo que não deve ficar no esquecimento. Por isso, vou revisitá-lo nestas linhas e sintetizar as (boas) ilações que dele se retiram no combate ao populismo (nefasto).
Pensando nesta crónica como uma receita de culinária (Filipa Vacondeus should be proud), decidi redigi-la por pontos de forma a ser tal como o texto: directa, sintética e fácil de ser lida.
Ora aqui vai, a lista de ingredientes e o modo de preparação, para desmascarar o populismo:
Uma base de Elevação: sem insultos, sem críticas parolas (antes concisas), com respeito pelo adversário - pela sua dimensão e valia intelectual -, procurando no seu discurso o que realmente importa - a mera desconstrução racional (e não emocional) das suas próprias contradições.
Depois, acrescentou uma pitada de Inteligência: entre outras características do texto, cabe-me destacar uma certa dose de ironia saudável, que permite ao leitor um especial gosto em assistir à desconstrução do dito cujo. O humor é uma dimensão da intelectualidade. Porém, como tudo na Vida, deve ser usado q.b. (como o sal, em qualquer receita), e não como alguns humoristas fazem: a ridicularização do populismo (banalizando-o), só o beneficia.
Adicionou suavemente uma dose de Simplicidade: texto curto - lido no smartphone entre o escritório e a cozinha, a caminho do almoço -, com linguagem cientificamente acertada, mas sem se tornar ilegível para um leigo (como eu), sem formação em Ciência Política. Queixava-se há dias - e bem! -, o Cristiano (também aqui no Crónico), que apesar da liberalização da informação, há um claro problema de acesso à informação, dificultada ainda mais pela sua própria complexificação. No texto, a boa crítica não perdeu - antes pelo contrário, chegou a muita gente - por não ser uma dissertação de mestrado sobre o tema, de vocabulário inacessível. Ao invés, em 2 páginas de word, um tipo que anda na faculdade, com umas camisas meio estranhas e que, por estarolice, tem um Jornal Online com um grupo de amigos e mais 1500 (fiéis e maravilhosos) Seguidores, disse o suficiente - mostrando que qualquer um de nós o pode fazer (basta seguir a receita), sem precisar de editar um livro.
Depois, pegando no rolo da massa, deu-lhe Articulação: actual, sem que isso bloqueasse uma pesquisa suficiente, o texto limitou-se a expor as contradições entre o discurso anterior e actual do visado, sem exercer qualquer tipo de opinião sobre as matérias em causa (liberdade de expressão, prisão perpétua, conceito material de crime) que pudesse dividir os leitores - a causa em apreço é a mesma, não vale a pena criarmos divisões imaginárias (eu sou mais antifascista do que tu porque _introduzir expressão parola_ ). O texto segue uma linha de estrutura argumentativa - com princípio, meio e fim - e, procura somente incidir sobre a mensagem que pretende passar: curto e grosso (ou fina e estaladiça, porque estamos a falar da massa).
Acompanha o manjar, uma dose de Coerência: demonstra o texto a essência contraditória do discurso populista - como um navio à deriva que vive da direcção para que o vento sopra. Dizia esta semana, na Visão, o Conservador britânico Charles Tannock, que foi deputado no PE, que o populismo é encontrar soluções demasiado simples para questões demasiado complexas. Talvez esta definição - ainda que demasiado simplória - demonstre bem como é bastante simples prestar um serviço (público) semelhante ao protagonizado pelo João. Tem sido, aliás, problema deste combate, o facto de ele se encontrar maioritariamente entregue a outros populistas que, com os mesmos telhados de vidro, acabam por não ser eficazes. Não nos esqueçamos: PAN’s e BE’s desta vida são no conteúdo e (sobretudo) na forma, também de essência populista. O populismo tem sido, aliás, conotado essencialmente com a extrema-direita, quando isso não corresponde à totalidade da verdade.
A solução terá de passar, necessariamente, pelos partidos moderados e não pela proibição dos partidos populistas - como sugere uma petição que anda a circular esta semana -, pois que, como demonstrou Macron nas últimas Presidenciais francesas, é no frente a frente que se desarmam os alicerces dos extremos. De outra forma, estaremos a dar-lhes força: a da vitimização.
Ao lado dos moderados, poderá estar qualquer cidadão comum, como demonstrou o João: junto dos pais, juntos dos amigos, em artigos de opinião (no Crónico) - onde houver um desiludido com o sistema, foco de especial propagação desse vírus, podemos e devemos ser a DGS do populismo (Direcção Geral de Saúde, para não existir confusão).
Ora, no seguimento do que disse, exige-se, a quem queira participar nesse combate, uma especial atenção a este último tópico da receita - coerência, na sua própria acção política (nas redes sociais, por exemplo). Isto é: para criticarmos a coerência de um populista não podemos ser se não coerentes, sob pena de o nosso próprio esforço ser a base de força de um qualquer Ventura (e sobre isto, numa primeira abordagem, remeto para o texto do João Reis - aqui no Crónico).
Pensemos que a coerência é a cereja no topo do bolo, uma espécie de sobremesa da receita elencada em cima (1-4). Como andamos a cortar no açúcar, sugerimos que o terminus desta refeição se faça com uma frutinha da época. É caso para perguntar querido leitor: e você? Já comeu fruta hoje?
Ps1: a receita supra não é vinculativa, pelo contrário; aceitam-se sugestões para a robustecer. Só espero que depois disto, os leitores não me obriguem a fazer um livro de receitas à lá Goucha.
Ps2: João, permite-me um elogio. Sei que gostas de jornalismo e até dizem que fazes umas Reportagens, aqui no Crónico. Aqui vai: You’re a terrible reporter.
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