Nos últimos anos um tema que tem trazido para si mais atenção no que à gestão do futebol profissional diz respeito é o da centralização dos direitos de transmissão televisiva. Têm-se feito estudos e o governo já legislou de forma que dentro de alguns anos a negociação seja feita de forma centralizada. Ao longo deste artigo tentarei expor os argumentos de ambas as partes e no fim concluirei aquela que é, para mim, a solução mais eficaz.
de Joaquim Couto
Primeiro acho importante fazer um enquadramento do tema dos direitos de transmissão televisiva. Uma liderança visionária da FIFA nos anos 70 do século passado constatou que o futebol era um desporto como nenhum outro: tinha uma implementação à escala global. Alargou-se o mundial, começaram a difundir-se jogos para todo o mundo e com isso a FIFA foi-se tornando na organização poderosa que conhecemos hoje.
Em Portugal, a empresa Olivedesportos foi a primeira empresa a comercializar os direitos desportivos através do conhecido canal desportivo SportTV. Desde então muita coisa foi mudando: o Benfica criou um canal próprio e decidiu transmitir os jogos através desse canal (procurando assim obter as receitas de subscrição por parte dos seus adeptos). Porto e Sporting também obtiveram contratos bastante chorudos, enquanto os outros clubes da primeira liga obtiveram valores contratuais bastante mais baixos.
Um estudo da Ernst & Young realizado para a Liga Portugal refere que a diferença entre o clube que recebe mais e o clube que recebe menos é de 15,4 vezes, valor bastante alto quando comparado, por exemplo, com a da Premier League onde esse rácio é de 1,4 vezes. Ora, é um facto que isto tem bastante impacto na competitividade da nossa liga.
Imaginemos o seguinte cenário: se o clube que mais recebe encaixar 30 milhões o que menos recebe irá receber menos de 2 milhões. Isto tem um impacto competitivo inegável que favorece os três maiores clubes portugueses (FCP, SCP, SLB). Com receitas tão dispares, é praticamente impossível que o campeão esteja fora deste lote de três.
Por isto, são muitos os que em Portugal defendem que a negociação dos direitos de TV deve ser centralizada, ou seja, nenhum clube terá a liberdade de unilateralmente negociar os seus direitos de transmissão. O estudo citado refere que este passo, que o governo já aceitou e legislou nesse sentido, vai aumentar de 170/180 milhões para 300 milhões o valor total do bolo das receitas de TV em Portugal.
Mas sobre este acréscimo de valor surgem algumas dúvidas entre quais a mais óbvia: quais as razões por trás deste aumento? Em termos gerais, o estudo defende que esta medida irá tornar o futebol mais competitivo, existindo assim melhores desempenhos por parte das equipas mais pequenas. Isto levaria também a que existisse, no entender do estudo, uma maior capacidade de investimento e um aumento do potencial de internacionalização.
Mas estas razões têm sido alvo de crítica por parte de quem, incluindo eu, não defende a centralização. Ora vejamos: em Portugal existe uma particularidade que não se verifica pela Europa fora. Os adeptos de futebol têm, na sua esmagadora maioria, uma preferência por um dos três grandes clubes. Ou seja, não existe um apego significativo ao clube da terra.
Isso é bem visível nos jogos ao longo da época: é bastante comum vermos estádios vazios nos jogos entre equipas pequenas e esses mesmos estádios bem mais compostos, quando se trata de um jogo contra um grande. Acresce ainda que grande parte dos habitantes da localidade em questão irão torcer pela vitória do grande e não do clube da sua terra.
Aliado a este fator existe outro: uma boa parte das localidades com clubes na primeira liga tem uma reduzida dimensão. Ou seja, não há um grande espaço de mercado para os direitos de transmissão televisiva desses clubes. Em Portugal, as capitais de distrito deixaram de ter expressividade na primeira liga: Coimbra, Aveiro e Leiria viram os seus clubes serem relegados para divisões inferiores ao longo dos últimos anos.
Em termos internacionais, o espaço de crescimento é também muito pequeno. Com exceção dos jogos do Benfica, Porto e Sporting a liga portuguesa não é atrativa. Mais uma vez voltamos ao mesmo problema: cidades pequenas, adeptos pouco identificados com o clube da terra, ou pelo menos a preteri-lo a um dos grandes, faz com que o nosso futebol tenha uma certa dificuldade em crescer por essa via.
Todos estes argumentos poderão levar a que, num cenário de centralização, não se consiga aumentar o valor total do bolo. Ora se os pequenos vão receber mais, os grandes terão de receber menos. Acontece que as receitas de TV, a par da publicidade e das receitas da UEFA, têm permitido aos três grandes serem minimamente competitivos na Europa. Em quatro anos tivemos três equipas portuguesas nos quartos de final da liga dos campeões. É isto que permite dar visibilidade ao futebol português: é o Benfica a bater-se em Anfield, o Porto a fazer finca pé ao Chelsea e o Sporting a quebrar o Borussia de Dortmund. Uma possível diminuição de receitas iria prejudicar este tipo de prestações. Já partimos bastante atrás nas competições europeia, com esta mudança ainda iriamos partir mais atrás.
A centralização só será viável no dia em que os clubes mais pequenos representarem um mercado maior. Para isto acontecer é necessário que estes tenham a capacidade de fidelizar a população das regiões em que se inserem, tarefa bastante difícil dada a composição dos adeptos em Portugal. Seria necessário termos uma Académica que representasse toda a região centro, um Beira-Mar que representasse toda a zona de Aveiro, um Covilhã que conseguisse ser a alma do interior e por aí fora. De certo modo, uns Vitórias de Guimarães espalhados pelo país.
Enquanto isso não acontecer a centralização irá, no curto prazo, aumentar a competitividade, mas no longo prazo irá prejudicar a visibilidade internacional do nosso futebol.
Em suma, acho que este é um debate bastante interessante ou não estivéssemos a falar de uma das maiores fontes de criação de valor do futebol. Por isso, expus também os argumentos da perspetiva contrária à minha. Não estou, nem creio que ninguém esteja, contra o aumento da competitividade no futebol português. Agora, isso não deve ser feito à custa das prestações dos grandes na Europa que têm dado visibilidade ao futebol português.
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