de João Vasconcelos
O futebol está de volta. Depois de um Mundial um tanto desapontante, com um ambiente que mais lembrava um jogo de FIFA do que uma massa de adeptos unidos no propósito de apoiar a sua seleção, este ano as ruas da Alemanha estão cheias de alegria, música, (muita) cerveja e ingleses a arranjar confusão. Nature is healing.
Com isto, a energia dos adeptos tem sido sentida dentro de campo. Os jogos neste Europeu têm sido, na sua generalidade, bons e entusiasmantes, com a exceção do Grupo C.
Confesso: gostava de poder recuperar as horas perdidas a ver a Inglaterra jogar com a Dinamarca (ou qualquer outro jogo da Inglaterra).
A criatividade tem reinado e os esquemas táticos ultra-complexos têm sido postos de lado para que jogadores como Kvaratskhelia, Nico Williams ou Jamal Musiala possam mostrar a sua qualidade – sendo de destacar os últimos dois, que têm feito um torneio fabuloso.
Vimos também jogadores cuja convocatória questionámos brilhar uma vez mais, demonstrando o que ainda têm a oferecer ao futebol. Um destes casos é N'Golo Kanté.
Numa seleção francesa com o seu melhor jogador lesionado, que parece não ter ainda entrado completamente nos eixos, tem como ressalva a capacidade quase sobre-humana de Kanté, de cobrir o campo inteiro, fazendo-nos todos relembrar do que o médio francês fez em Inglaterra ao serviço do Leicester e do Chelsea.
Na onda de jogadores que têm surpreendido, poucos o têm feito com tanto impacto como o guardião georgiano, Giorgi Mamardashvili.
Mamardashvili tem sido uma autêntica âncora na defesa georgiana (apesar de osnúmeros não contarem a história toda), o que ficou bastante claro no jogo contra Portugal, quando o guarda-redes do Valencia defendeu duas bolas de Diogo Dalot que pareciam quase certas.
Contudo, o sucesso não pode só ser falado a nível individual, uma vez que há neste momento várias seleções que merecem ser destacadas pelo que têm feito.
Apesar de as expectativas estarem mais em baixo, a seleção espanhola tem sido uma revelação a nível de jogo. Várias eram as incertezas acerca do conjunto treinado por Luís de la Fuente e as expectativas eram poucas.
Longe vão as competições onde David Villa encabeçava o ataque, apoiado por jogadores de luxo como Iniesta ou Xavi, porém Yamal, Williams e Fabian Ruíz não se têm safado mal, bem pelo contrário.
Por sua vez, duas são as seleções que aqui queria destacar pela forma como têm surpreendido. Em primeiro lugar, a Áustria. Ralf Ragnick parece estar numa missão para demonstrar que ainda é um treinador de topo e que a sua passagem por Manchester não traduz a sua qualidade e a sua mestria técnico-tática.
Poucos esperavam que esta Áustria passasse do grupo, visto nele estarem seleções altamente competitivas como a Polónia, França e Países Baixos. Menos ainda eram aqueles que anteviam que os austríacos iriam ficar em primeiro do grupo, jogando um futebol atrativo, incansável e que se provou eficaz.
Por sua vez, quero destacar a seleção romena como uma das seleções que mais me tem surpreendido. Verdade seja dita que o futebol que empregam não é o mais apelativo e muitas vezes obtendo os resultados com força bruta. A verdade é que ambas as seleções partilham algo em comum: um espírito coletivo unido.
Claro que se pode realçar o trabalho individual de alguns jogadores mas a verdade é que ambas as seleções ultrapassaram as expectativas, deixando de lado as suas individualidades e jogando um futebol pouco egoísta.
Mas, com tudo de bom que este europeu nos tem oferecido, coisas menos boas certamente também têm estado presentes, como é o caso de Inglaterra.
A verdade é que parece que Gareth Southgate está um pouco aos papéis. Entre Phil Foden parecer que só com Pepe Guardiola é que consegue brilhar e o desaparecimento de Jude Bellinghamapós o seu golo de estreia num europeu, a verdade é que a seleção inglesa tem vindo a despontar e muito disso pode ficar a dever-se às escolhas táticas de Southgate.
Na linha de treinadores que parecem não conseguir retirar o máximo da sua equipa, é necessário deixar uma menção a Roberto Martinez que fez dos “apaixonados” um grupo de “desorientados”.
Três jogos, três sistemas diferentes, sendo o apogeu disto o jogo contra a Geórgia que, sendo honestos, teve a sua quota-parte de azar com pelo menos uma grande penalidade por assinalar a favor da seleção das quinas. Ainda assim, o que não faltou foi desorganização dentro de campo, com algumas escolhas que nos deixaram a coçar a cabeça enquanto tentávamos entender a visão de Martínez.
Terminando, não posso deixar de deixar um elogio ao melhor jogador deste torneio: o auto-golo. Nesta fase de grupos já foram 7, o que faz entrar para o top 3 de melhores marcadores em fases finais do Europeu.
No geral, este Europeu não revelou grandes surpresas em termos de grandes seleções serem eliminadas, muito pelo número de equipas agora a competir e a possibilidade dos quatro melhores terceiros lugares poderem avançar.
Contudo, depois de um Mundial sem alma, este Europeu reviveu muitas das esperanças que o futebol não se torne num jogo sem alma onde os jogadores são limitados a fazer apenas o que lhes é dito, sem poderem expressar a sua criatividade.
O futebol é melhor quando é realizado num país que verdadeiramente o aprecia pelo que é: a arte de meter a bola no fundo da baliza.
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