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O grito mais alto é o do 12º jogador em campo

Atualizado: 24 de set.

De Pedro Teixeira Brites

Eu nasci num hospital da capital portuguesa e, desde cedo, o meu pai se certificou que, independentemente de onde nascesse, vivesse, ou estivesse, as minhas alegrias e tristezas seriam vividas a um compasso estipulado pelos resultados dos jogos que aconteciam, semana sim, semana não, no Estádio do Dragão.

Assim foi.


Vinte e um anos depois, vivo apaixonadamente os resultados de uma instituição desportiva que faz parte da minha identidade. Antes de saber dizer “pai” ou “mãe” já tinha a noção que, se os azuis pusessem aquela esfera da televisão nas redes dos outros, iria ser atirado ao ar, numa festa eterna.


Antes de saber escrever, sabia que o “Porto é o maior” sempre e em todas as alturas. Antes de saber o que era ter boas notas, soube o que era celebrar um título, uma vitória, um golo. Antes de saber o que era estar apaixonado, soube o que era chorar de tristeza por falhas alheias a mim, soube o que era acordar animado ou entristecido consoante aquele de quem tanto gostava agia.


Antes de saber o que era ser rejeitado por uma rapariga, soube o que era perder para um rival numa final ou num jogo decisivo, da mesma forma que, antes de ouvir uma rapariga de quem gostava responder-me “sim”, soube o que era viver uma explosão de alegria de um golo marcado para lá dos noventa, frente ao maior rival, para decidir um título de campeão nacional.


O futebol e, em especial, o Porto, fizeram de mim quem sou hoje. Como reajo aos momentos felizes e como vivo com amargura nos tristes. E, no fundo, sou um no meio de tantos outros que, com mais ou menos intensidade, vive consoante os sucessos de pessoas totalmente alheias a mim.


Sou um no meio de mais cinquenta mil que grita exasperadamente por mais energia em campo, sou um de cinquenta mil que vai abraçar um desconhecido num momento decisivo e tremenda alegria. Sou só mais um.


E por isso mesmo, por existirem outros tantos adeptos, do meu clube ou outros, que reagem melhor ou pior às derrotas, que vão a mais ou menos jogos, são adeptos há mais ou menos anos, que me considero apenas mais um. Sou um de muitos mais.


Somos todos uma massa gigante, mais ou menos uniforme, que quer viver o mesmo, de formas diferentes.

No meu clube, como nos outros, existe múltiplos tipos de adeptos. Os que choram de tristeza, como eu, em momentos dramáticos. Os que perdem a fome nas derrotas. Os que vivem a euforia das grandes vitórias durante vários dias. Os que só vão ao estádio de vez em quando porque não conseguem despender dinheiro para os lugares anuais, porque não conseguem ir de 2 em 2 semanas para uma terra alheia à sua ou simplesmente porque não querem.


Existem adeptos que vivem o mesmo clube há mais do dobro de anos que eu tenho de vida. Há adeptos que se envolveram com o seu clube, enquanto desportistas, treinadores ou dirigentes.


Existem adeptos que vão sempre para a bancada central comer croquetes, que quando ouvem a sua claque gritar algo que não os agrada entoam comicamente o cântico “pa-lha-ços, pa-lha-ços” – confesso que, destes adeptos, gosto de fazer alguma troça.


Do outro lado, os adeptos que vivem os jogos em casa e fora sempre de pé a gritar cânticos sonantes ensaiados. No futebol de hoje, no meu clube e seus rivais, há espaço para todos estes adeptos.


Para aquele que se vai sentar na central cantando menos, para o que vai para a claque ou para o que vê a partir de casa. Até para o que só vê o resultado no fim. Há espaço para todos e não sou apologista de julgar quem quer que seja pela forma como vive a sua paixão nem policiar o gosto de cada um. 

No entanto, este texto não tem como objetivo ser um floreado a todos os adeptos do futebol português. Pelo contrário. Vem no seguimento da relação entre adeptos nos três grandes: o Sporting e o corte com as claques, Porto e a sua relação com os Super Dragões e Benfica e a sua (não) relação com os No Name e os Diabos Vermelhos.


São três casos diferentes, três casos com os quais não concordo com a forma como os clubes abordam a sua relação com um elemento que, na minha opinião, é o que mais conta num clube: o adepto. O que fica somos nós.


Não os contratos multimilionários, os escândalos, os jogadores que usam os nossos clubes como trampolins. Somos nós que, de forma mais ou menos apaixonada, cá vamos ficando.

E como tal, achamo-nos responsáveis por fazer os julgamentos normais do mundo do desporto: “Este jogador não honra a camisola”, “este treinador é um arrogante, não o quero cá”, “este presidente é um traste” …a lista é infinita.


E, como parte do nosso clube, estamos cá para gritar “joguem à bola” quando nem tudo corre bem ou para acender tochas nos festejos. Como já disse antes: há espaço para tudo. Quase tudo. 


Não há espaço para ataques a academias, aproveitamento de receitas com a venda de bilhetes ou ataques a membros do nosso próprio clube. O Porto e o Benfica vivem um contexto algo semelhante: a sua relação com as suas claques (grupo organizado…no caso do Benfica) passa por uma fase tumultuosa. 


No Benfica x Arouca, os NoName foram assobiados durante os cânticos, levando o resto do estádio a cantar “ben-fi-ca, ben-fi-ca” ou “pa-lha-ços, pa-lha-ços” numa tentativa de abafar os cânticos vindos do piso 0 da Luz. Os próprios NN estiveram em silencio durante boa parte do jogo. E quando não estiveram, mandaram treinador e presidente para sítios longínquos e pouco amigáveis.


Cantavam “Benfica é nosso e há de ser”. Na bancada onde estava, ouvia-se “o Benfica nunca há de ser destes tipos, nunca” e frases semelhantes. Há uma clara divisão entre o “adepto comum” e o adepto da claque benfiquista. 


No Porto, ao fim de vários anos de casos estranhos e indícios preocupantes, as eleições a Norte expuseram a podridão da relação que os Super Dragões foram mantendo com o Porto.

Os bilhetes revendidos, os dinheiros desviados, tudo com o objetivo de se servir do Porto. Os Super Dragões assumiam-se como os portistas puros. Tornaram-se nos portitas derrotados.


Tornaram-se numa máfia sem medo de o mostrar em público, nem mesmo em AGs do próprio clube. Deixaram de ser apenas e só os apaixonados que iam com o Porto para qualquer lugar cantando e apoiando independentemente de tudo. Passaram a servir-se do Porto.


No Sporting, a relação com as claques é nula. Varandas patrocinou um corte na relação com as claques sportinguistas. A bancada antes ocupada por elas tornou-se apática e sinónimo de vazio. O estádio cantava menos e, exceção feita a alguns grupos, a magia de ter adeptos constantemente a gritar e a cantar desapareceu. 


Na minha visão mais perfeita, nenhum destes casos é ideal. As claques são fundamentais para os clubes. Representam a franja de adeptos mais dedicados que largam tudo pelo clube.


Cantam jogo sim, jogo sim, faça chuva faça sol. São a representação mais efusiva do 12º jogador. E, como tal, merecem ter o seu lugar no estádio, bem como a permissão para levar bandeiras e tochas (desde que estas não sejam arremessadas para dentro de campo nem contra adeptos) tambores e tudo o que torne o ambiente do estádio ainda mais imponente.

As claques são a diferença entre fazer os adversários sentir que não estão a jogar em casa ou fazer com que se sintam num caldeirão prestes a implodir. São a comunhão final entre adepto e clube. E sempre apoiarei isso.


O que nunca irei apoiar é o aproveitamento de uma máfia para promover os seus interesses, servindo-se do clube de todos nós. O adepto dos NN ou dos SD não é mais que o adepto que vai para a central.


São diferentes e cada um é o que é e ama o clube à sua maneira. Portanto não se podem comportar com a irresponsabilidade de quem se acha acima de todos. Não podem atirar tochas a adversários e para campo constantemente e não ser punidos, como os NN não são.


Não podem desviar dinheiro do clube que passa dificuldades financeiras para mundos obscuros, como os SD fazem. E está tudo bem em mandar o Schmidt para o sítio de onde voltou.


Há liberdade para isso e cada um a tem para se expressar. Cada um tem a possibilidade de assobiar esses mesmos cânticos numa espécie de democracia que apenas acontece nos estádios. Não ataquem é ninguém, nem cometam ilegalidades. 


Em relação ao Porto: ele não é meu nem de ninguém, é de todos nós!

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