Hoje, enquanto passeava por Paris, dei por mim nas redondezas do Louvre e decidi ir lá dar um salto. Estava pronto para ser mais um dos cerca de 30 mil visitantes diários do museu até que, ao chegar às portas do Museu, deparo-me com um cenário bizarro – o Louvre está em greve.
Dia 17 de Janeiro de 2020
Hoje, enquanto passeava por Paris, dei por mim nas redondezas do Louvre e decidi ir lá dar um salto. Estava pronto para ser mais um dos cerca de 30 mil visitantes diários do museu até que, ao chegar às portas do Museu, deparo-me com um cenário bizarro – o Louvre está em greve.
Aproximei-me.
À minha frente está uma longa tarja preta, pintada com letras brancas e vermelhas: Museé du Louvre en Greve.
Contam-se cerca de 30 manifestantes, que aparentam ser os funcionários do museu mais visitado do mundo. Apesar de serem poucos, estão rodeados por uma multidão de repórteres, turistas curiosos e habitués da cidade.
Gritam-se palavras de ordem à frente da pirâmide do Louvre, acompanhadas de cânticos revolucionários franceses que invocam Résistance, enquanto bandeiras vermelhas, que aparentam pertencer a sindicatos de trabalhadores, se distinguem no meio dos funcionários.
As opiniões dos turistas, face ao acontecimento caricato, dividem-se: alguns ficam revoltados – quase tanto como os manifestantes – por verem as suas expetativas frustradas, depois de longas horas de viagem para ver a enorme exposição do Louvre. Não os censuro, apesar de ter ficado tentado a explicar-lhes que não era preciso ficarem tão aborrecidos: a Mona Lisa não corresponde às expetativas dos postais.
Outros turistas ficam impressionados com a famosa veia reivindicativa dos franceses, bem conhecida na nossa história. Alguns dos turistas e dos locais até se juntam aos cânticos, num gesto de solidariedade.
Eu fiz parte deste segundo grupo, apesar de não ter cantado – quis evitar passar vergonhas com o meu francês. Não pude deixar de ficar impressionado com o poder que 30 manifestantes podem ter, face às expetativas de mais de 30 mil visitantes e a milhões de euros de lucro perdido pelo Museu (e, por consequência, pelo Estado Francês).
Segui o meu caminho, após testemunhar o povo francês no seu melhor (nada é mais francês que o Museu do Louvre em greve). Entrei na primeira estação de metro que encontrei – Palais Royal – Museé du Louvre. Desci as escadas e olhei para o placard que indica quanto tempo falta para o próximo metro: 52 minutos.
Ora, apesar de estar habituado aos horários da nossa querida CP, achei este tempo um pouco excessivo, em particular no metro de Paris que, em hora de ponta, tem carruagens de 2 em 2 minutos.
Fiz uma pesquisa no Google – parece que estamos no 46º dia de greve do Metro de Paris. Estava perante a minha 2ª greve do dia. Nesta segunda greve, já senti um pouco mais as dores dos turistas que não conseguiram entrar no Louvre. Por muito que gostasse de ver antiguidades egípcias, a minha vontade de chegar a casa era maior.
Ainda assim, não deixei de admirar, mais uma vez, a perseverança dos manifestantes franceses que, ao fim de 46 dias, não cederam perante as pressões que devem sofrer diariamente. Ao não ceder, estão a comprometer, em grande escala, as mais de 300 estações de metro da capital francesa e os mais de 4 milhões de utentes diários das mesmas. Bonne chance, Macron.
Saí da estação – preferi descobrir outra estação de metro, menos afetada pela greve, do que esperar 52 minutos. Fui parar à estação da Pont Neuf, em que tive mais sorte – apenas 15 minutos de espera. Lá cheguei a casa, mais tarde do que o planeado e sem antiguidades egípcias.
Este dia levou-me a fazer (como já se tornou óbvio nos últimos parágrafos) inevitáveis comparações com o nosso país.
Penso que o primeiro instinto de alguém, ao fazer este exercício, será pensar que nós, portugueses, somos uns sortudos. Enquanto que, em Paris, se presenciam duas greves destas dimensões num só dia, em Portugal nada disso acontece – pelo menos com esta frequência e, de certa forma, leviandade.
O mais próximo que tivemos de uma greve que possa ser comparada a estas dimensões (em termos proporcionais), nos últimos tempos, terá sido a greve das matérias perigosas. Apesar desta greve ter causado um grande impacto a nível nacional, principalmente com a falta de combustíveis, não é um acontecimento regular, ao contrário de França – basta lembrarmo-nos dos gilet jaunes, que começaram a aparecer em Outubro de 2018.
Que conclusões tirei deste raciocínio? Que somos um país tranquilo, calminho, com muito respeito e boa-educação, ao contrário desses franceses, que são uns mal-educados.
No entanto, talvez seja importante pesar o outro lado da moeda. Talvez o respeitinho, por vezes, não seja assim tão bonito. Talvez seja necessário, de quando a quando, abdicar do respeitinho – mantendo o respeito – para abanar as hostes.
Atenção, nem tudo se faz através da greve. Mal seria, caso contrário estaríamos condenados a ter de inventar muitos mais cânticos de protesto do que a nossa imaginação permite.
O meu ponto é: o protesto, quando feito em circunstâncias de real necessidade, e não de forma deliberada, funciona como uma forma de “encostar à parede” os responsáveis por órgãos de poder que, noutras circunstâncias, fariam orelhas moucas às pretensões das pessoas em causa. Para o bem e para o mal, a Resistance tem mais impacto que um e-mail menos simpático – afinal de contas, nunca mais vamos olhar para um colete amarelo da mesma forma.
No final do dia, estou disposto a abdicar de ver umas antiguidades egípcias e a chegar a casa mais tarde para que os manifestantes mereçam uma resposta de quem compete responder. Gosto de pensar que, se vários trabalhadores, com plena consciência dos seus atos, estão dispostos a paralisar uma cidade de mais de 12 milhões de pessoas, devem ter chegado a um ponto insustentável no seu trabalho e, por essa razão, merecem protestar.
O protesto, quando merecido, deve ser respeitado e até apoiado. E quando não é merecido? Proteste-se de volta!
João Moreira da Silva
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