Crónica de Maria Madalena Freire
Estudante de Mestrado em Jornalismo na NOVA FCSH
Entre as oito e meia e nove da noite, a minha família de 5 (ainda composta) sentava-se à mesa para jantar e falar sobre o seu dia.
Era o meu momento preferido do dia, porque cada um podia falar ou então podia ouvir imensas palavras que desconhecia e depois aplicá-las de forma completamente errada no recreio no dia a seguir - note-se que tenho 6 e 9 anos de diferença dos meus irmãos mais velhos. Para o meu irmão “Duarte” também era o seu momento preferido do dia, ele era bastante afeiçoado à comida, especialmente à lá de casa (exceptuando quando eram lulas).
Já para o meu irmão “Gonçalo", apesar de ser o momento alto do seu dia, também, o era por outra razões: para me espicaçar em todos os momentos possíveis e a cada garfada dada. Ele sabe, e conhece, que me irrito rápido, bastava uma cotovelada no meu braço quando o meu garfo viajava cuidadosamente do prato para a boca e, com o impacto, cair tudo para o meu fusível começar a chamuscar (depois de anos afim disto os nossos pais insistiam em pôr-nos lado a lado à mesa). Depois, seguia-se o gozar verbal: qualquer coisa que eu dissesse seria repetido em tom de gozo ou seria desvalorizado por ele. Nos meus 9 anos dizia que tinha conseguido fazer um novo truque de Diablo à mesa, a minha mãe (a minha querida mãe) fingia-se impressionada, o meu pai via as notícias, o “Duarte” comia e o “Gonçalo” dizia “que ridícula, ninguém quer saber, cala a boca”. Só com esta frase ele conseguia que a Fontana di Trevi viajasse de Roma até às minhas glândulas lacrimais. Mas eu era orgulhosa e tentava responder à altura, porém as respostas dele arrumavam-me sempre e houve até vezes que tive a ousadia de sair da mesa antes de acabar. Fosse o que fosse que dissesse, fizesse, ele estava sempre em cima para esmiuçar até à última e a minha mãe repetia vezes e vezes sem conta o meu maior erro, que seria a razão do espicaçar constante: era dar resposta.
Tão simples quanto isso, a minha mãe repetia-me ao ouvido “não lhe respondas, não lhe respondas, ignora” com afinco que ele, às tantas, acabaria por se fartar. Às vezes eu tentava seguir o conselho, e ficava imóvel no meu lugar, olhos vidrados na televisão enquanto ele me sussurrava ao ouvido - ele persistia porque via nos meus olhos que eu ia quebrar a qualquer altura.
Agora mais velha, vejo um paralelismo desta atividade comum entre irmãos com André Ventura e o resto das pessoas comuns portuguesas (as com bom senso, digamos). Infelizmente, terei que colocar André Ventura na posição do meu irmão e o resto das pessoas com bom senso na minha.
André Ventura espicaça, as pessoas comuns respondem irritadas e ultrajadas; André Ventura ri-se e continua, as pessoas enervam-se ainda mais; André Ventura ganha visibilidade (tal como o meu irmão “Duarte” e o meu pai, a dada altura, desfocavam do seu mundo porque a discussão entre mim e o meu irmão aquecia), as pessoas comuns ficam enraivecidas por muita gente estar a par e estar a dar palco a André Ventura; André Ventura repete este ciclo.
Penso que todos precisamos de uma mãe suprema que nos segure no pulso, aperte e nos sussurre ao ouvido: “Não lhe respondas, não lhe dês essa satisfação, ignora”
Agora com 21 anos, o meu irmão ainda me espicaça e já consigo controlar a situação. Ainda no outro dia, ele disse que eu era idiota e eu? Eu ignorei. Só passado duas horas é que fui chorar para o quarto sozinha, mas pelo menos não foi à frente dele, para lhe dar essa satisfação.
E, com André Ventura, assim tem de ser. Ignorar em praça pública, gritar para almofada e não para o Twitter. Dêem as vossas garfadas com mais convicção e, se André Ventura vos der uma cotovelada, voltem a ir buscar os bagos de arroz perdidos na guerra. A paciência e a persistência são as maiores armas contra a intolerância e demagogia. Posto isto, quando eles menos esperarem, já não têm reação de quem provocam, nem público que assista.
A dada altura, o vosso irmão mais velho sai de casa e ficamos com um lado da mesa só para nós.
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