Nas últimas semanas um dos temas que mais destaque tem merecido no debate público é o tema da habitação em Portugal, sobretudo nos principais centros urbanos. Trata-se de um tema bastante atual e pertinente pois tem impactos reais na vida de muitas famílias. Está cada vez mais difícil para as famílias portuguesas conseguirem ter condições financeiras que lhes permitam viver nos centros urbanos.
de Joaquim Couto
No caso de Lisboa já não se trata apenas do concelho da capital, mas também de concelhos periféricos. As famílias têm, portanto, muita dificuldade em encontrar casa e estabilidade nas grandes cidades. É de referir que estes aumentos encontram paralelo em muitas cidades espalhadas pelo mundo.
Os preços da habitação têm crescido a um ritmo exponencial ao longo dos últimos anos. Embora não seja o ponto principal do artigo importa referir algumas razões pelas quais os preços têm tido este comportamento. Pelo lado da procura, temos assistido nos últimos anos a um aumento significativo do investimento estrangeiro em Portugal.
Aliado a isto Portugal conheceu um aumento significativo da atividade turística um pouco por todo o país. De 2012/2013 em diante, o turismo deixou de ser uma atividade específica de algumas regiões do país e passou a ter uma maior abrangência. O número de alojamentos turísticos cresceu bastante no Porto e em Lisboa, o que colocou uma maior pressão sobre a procura. É importante referir ainda o papel que a conjuntura da última década teve neste mercado. As taxas de juro estiveram baixas ao longo dos anos pelo que os imóveis se tornaram mais atrativos para conservar o valor dos aforradores.
O lado da oferta teve um comportamento diferente: verificou-se um crescimento muito pequeno. Um estudo realizado pela consultora imobiliária JLL refere que a oferta habitacional cresceu apenas 1% entre 2011 e 2021. Com um crescimento grande da procura e um crescimento insignificante da oferta os preços acabaram inevitavelmente por aumentar.
Apresentado o problema é agora o momento de falar de algumas soluções que podem ajudar a mitigar esta questão.
Num mercado quando queremos reduzir o preço temos duas soluções: aumentar a oferta ou diminuir a procura. A fixação de preços não me parece de todo uma alternativa credível pois iria deteriorar ainda mais a oferta.
No curto/médio prazo não creio que a solução esteja na redução da procura por dois motivos de ordens distintas.
Em primeiro lugar, um motivo mais relacionado com os cidadãos portugueses. As oportunidades de emprego estão essencialmente focalizadas nas áreas metropolitanas de Porto e Lisboa. Não é justo que seja exigido a jovens altamente qualificados (que se esforçaram para adquirir competências ao longo dos anos) que se desloquem para zonas do país onde não existem oportunidades profissionais nas respetivas áreas de formação, nem redes de transporte e muito menos uma oferta cultural como a que existe nas grandes cidades.
No longo prazo, se existir uma verdadeira vontade política de descentralizar as competências políticas, que permita criar condições para que as pessoas se espalhem pelo país, as pessoas poderão começar a sair com mais naturalidade de Lisboa e Porto rumo a outras cidades portuguesas. Mas essa descentralização ainda está longe de acontecer pelo que no curto/ médio prazo a solução não passa por aí.
Em segundo lugar, um motivo mais relacionado com os estrangeiros que cá adquiriram casa e que cá fazem turismo. Estas atividades têm sido claramente benéficas para a economia portuguesa através do desenvolvimento de negócios e criação de emprego. Se agíssemos no sentido de retirar os estrangeiros das nossas cidades perderíamos um enorme potencial.
Do lado da oferta surgem as questões mais polémicas relacionadas com a habitação. A oferta tem crescido de forma residual na última década. Um primeiro problema que podemos identificar aqui é a falta de incentivos a que esta oferta se desenvolva. Neste aspeto cabe ao Estado criar condições, sobretudo fiscais e burocráticas, para que a construção de casas se torne mais atrativa. A redução de alguns impostos como o IMT, o IMI ou a concessão mais rápida de licenças de construção pode ajudar a mitigar o problema. Mas dada a urgência de uma resposta, parece-me que só estas medidas não serão suficientes.
Neste caso o Estado deve intervir no mercado não apenas como regulador, mas também como agente. Entre as funções económicas de um Estado na economia está a função da eficiência. Ora este mercado está longe de ser eficiente e dado que o mesmo não consegue per si gerar oferta que consiga dar resposta à procura, faz sentido que o Estado intervenha. A intervenção do Estado deve ser no sentido de disponibilizar habitação a preços acessíveis às famílias da classe média e aos jovens que pretendam viver nas grandes cidades.
Atualmente temos um sistema onde as autarquias são responsáveis pela habitação social. Esse trabalho apesar de ser meritório tem-se demonstrado insuficiente. Por isso, pode ser uma boa solução envolver o setor privado e o setor social neste mercado. Uma solução que poderia ajudar seria a seguinte: em troca de um benefício fiscal, o projeto teria de garantir algumas casas a preços acessíveis. Esta é apenas uma ideia entre muitas outras que poderia ser implementada neste caso.
Não pretendo que o Estado ponha fim ao mercado da habitação. Quero sim que o estado seja mais um agente no mercado, que faça aumentar a oferta para mitigar este problema e permita que a classe média arranje casa a preços razoáveis nas grandes cidades. Se algum dia o mercado conseguir solucionar o problema sem necessitar de intervenção estatal aí o papel do Estado poderá ser exclusivamente o de regulador. Enquanto isso não se verificar, não podemos esperar que por milagre uma “mão invisível” resolva o problema.
Portugal tem uma oferta pública de habitação social abaixo da média da União Europeia. O valor em Portugal é de 2%, nos Países Baixos é de 29,1% e na Dinamarca de 21%. Estamos perante países com um PIB per capita superior ao português. Isto para dizer que não me parece preocupante que tenhamos em Portugal mais alguma habitação social.
Para finalizar, acredito que a solução para este problema não passa no curto prazo por resolver problemas no lado da procura. O Estado não pode obrigar os seus cidadãos a deslocarem-se para localidades onde não terão oportunidades. A solução passa por um aumento da oferta que reduza o preço da habitação e proteja as famílias mais pobres. Este aumento da oferta pode ter o Estado como agente, seja sozinho seja em colaboração com entidades do setor do privado e social.
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