Na análise de políticas públicas a defender para uma sociedade (um bocadinho) mais justa, lembro-me sempre da importância da progressividade e, enquanto condutora mais ou menos regular, há uma lacuna que me inquieta particularmente: a falta de progressividade no sistema de multas.
de Rebeca Paiva
Assumindo que as multas e coimas surgem como elemento de “castigo”, relacionadas com o incumprimento das normas com as quais somos coniventes ao conduzir, é certo afirmar que este efeito dissuasor é maior ou menor de acordo com os rendimentos da pessoa que estacionou num lugar de (afinal) garagem ou se esqueceu de prolongar o parquímetro.
Atualmente, em Portugal, 120€ podem representar 2 meses de trabalho num part-time para um estudante, ou 5 minutos para um jogador de futebol profissional num ponto alto da carreira. Pode representar 30 horas de trabalho, ou um décimo do que uma coordenadora de projeto auferirá nas duas semanas que precisa para o desenvolver.
A mesma quantia tem diferentes implicações nos orçamentos pessoais/individuais das pessoas. Enquanto que para uns significa uma desproporcional dificuldade na gestão financeira e uma contenção de custos até ao fim do mês, para outros não se assinala qualquer diferença significativa, não obstante ninguém gostar de pagar multas. Ora, se a finalidade é a prevenção de incumprimentos normativos que visam em concreto a segurança rodoviária (como o excesso de velocidade na estrada), o incentivo não deve ser proporcional?
Não pretendo discutir a noção de castigo como forma mais ou menos adequada de impedir abusos no código da estrada, mas sim refletir sobre a disparidade que a mesma acentua. A flat fine não só ameaça as pessoas com rendimentos mais baixos como também deixa as classes mais altas passarem por cima da lei sem consequências de maior. A equidade requer que o castigo proporcionado seja percepcionado de formas equivalentes.
Prevejo duas alternativas para uma maior justiça: a introdução de um modelo de um método de pagamento de multas baseado em questões como rendimentos e dependentes (existente em países como Finlândia e Suíça) ou a carta por pontos, em que todos são prejudicados de igual forma - estacionar em segunda fila tiraria 5/6 pontos a qualquer pessoa, sendo que todos começariam com o mesmo nível. Se todos partíssemos do mesmo degrau, condutores de qualquer classe evitariam infrações com a mesma motivação (neste caso, não ficar sem carta).
Um sistema de multas baseadas no rendimento e no número de dependentes - onde a determinação do valor a pagar como multa fosse assumida pelas autoridades competentes tendo em conta informações da sua última declaração de impostos - ou num sistema da carta por pontos, onde o ponto de partida seria igual - promoveria estradas mais seguras e uma efetiva (e justa) responsabilização individual pelas infrações cometidas.
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