Não é o facto de ser branca, heterossexual, anti-marxista, anti-drogas, pró-vida que a torna um perigo social. É disfarçar afirmações baseadas em calúnias como factos. É mostrar-se como portadora da “verdade” que toda a gente tem medo de dizer, quando é apenas preconceito injustificado
Cara Cristina Miranda,
Não acho que seja considerado um “perigo social” alguém que é branco, heterossexual, anti-marxista, anti-feminista, anti-drogas e pró-vida. Creio que seja um perigo social quem não se apercebe dos privilégios que tem e quem usa as plataformas que tem a seu dispor para vender “inverdades” disfarçadas de factos ideológicos sobre o estado da sociedade.
Em primeiro lugar, parece-me que Cristina Miranda não conhece a definição de feminismo quando se diz a favor da liberdade e igualdade para todos, mas anti-feminista.
“Feminismo é um conjunto de movimentos políticos , sociais ,ideologias e filosofias que têm como objetivo comum: direitos equânimes (iguais) (...) Envolve diversos movimentos, teorias e filosofias que advogam pela igualdade entre homens e mulheres.”
Ora, de acordo com um estudo executado na Universidade de Princeton, esta é a definição de feminismo. Pode haver o regular contra-argumento que muitas das feministas são extremistas e chegam a advogar pela inferioridade masculina em prol da supremacia feminina. No entanto, será que é sábio condenar um movimento que, de facto, lhe concedeu os direitos que merece enquanto mulher só porque tem representações mais extremistas nos média? Não sabemos todos que o que choca é o que vende? Infelizmente, a representação do feminismo é extremista, nos dias de hoje, o que faz com que muitas mulheres se afastem do movimento. Contudo, não nos podemos deixar enganar com o que se vende em grandes ou pequenos ecrãs, é necessário ir ao fundo da questão, à origem do conceito e perceber que vale a pena assumirmo-nos como feministas, sem vergonha. Não nego, de forma alguma, o valor da sua determinação em “nunca baixar os braços”, mas penso que não conseguiria sequer demonstrar tal determinação, nem poderia levantar os braços, sem o legado deixado por muitas mulheres no início do século XX que lutaram por ter voz.
Em segundo lugar, não é “ser branca” que é considerado grave, pois também o sou. O que é grave no meio disto tudo é não ter noção dos privilégios que advêm do simples facto de ser branco, independentemente de ser mulher ou homem. Não digo que os brancos são a razão dos males do planeta, mas histórica e factualmente, discriminámos, escravizámos, dominámos países e povos. Ninguém diz que as tais minorias que menciona são “puras, castas e coitadinhas”, está ciente das injustiças de quais são alvo comparativamente às maiorias? Penso que sabe que as maiorias são as que detêm mais poder, facto esse que as torna mais privilegiadas. Consequentemente, quando existe privilégio de um lado, existe outro lado em desvantagem. Diga-me, com sinceridade, se acha que alguém que não seja branco tem as mesmas oportunidades, tendo as mesmas qualificações, que um branco? Se respondeu “sim”, desengane-se.
Em terceiro lugar, ser heterossexual não é pecado. O que é pecado é enquanto heterossexual cristão colocar no mesmo “saco” o amor de um homem por um homem, de uma mulher por uma mulher e de um adulto por uma criança. Só demonstra a falta de delicadeza, humildade, já para não falar do enorme preconceito para com a comunidade LGBTQI. Enquanto cristã, o maior ensinamento que Deus me deu foi “Amai-vos uns aos outros assim como eu vos amei”, tendo assim liberdade para amar, tal como os outros. Quem sou eu para impedir outrem de amar? Agora, colocar ao mesmo nível o amor de duas pessoas do mesmo sexo e actos de pedofilia, argumentando que esta defesa da “liberdade de amar” escala para longe demais, para uma “permissividade” de se amar seja quem for, é descabido e uma falácia de bola de neve. Para si é lógico que, sendo permitido em sociedade um homem amar outro homem, isso torne legítimo o comportamento de um pedófilo? Conceder uma liberdade básica, que nunca deveria ter sido condenada, não significa permissividade a delitos.
Em quarto lugar, não sei se tem conhecimento das atrocidades cometidas pelas Cruzadas cristãs na Idade Média em prol da ideologia judaico-cristã, estipulada na Bíblia, mas esta ideologia matou milhões. Ora, apesar deste passado, quer isto dizer que o cristianismo é em si maléfico? Será o cristianismo uma má ideologia que conduziu e ainda conduz cristãos e católicos a cometer crimes contra “infiéis”? Terá a religião cristã perdido valor na sua atualidade à custa dos erros do passado? Penso que não seja assim. Foi, de facto, uma falsa interpretação feita pelos judaico-cristãos da altura, tal como o marxismo foi mal aproveitado e dado como justificação de atrocidades cometidas. A ideologia não poderá ser encarada em si como o diabo que inverte os valores sociais que, para si, são os essenciais. Tal como o cristianismo não pode ser visto, atualmente pela utilização que teve no passado e que, por vezes tem no presente. Gostava, também, de ser elucidada no facto de agressão de professores e polícias serem consequências da inversão dos valores morais pela ideologia marxista. Tem isto a ver com a permissividade, de novo?
Já agora, não posso deixar passar isto, gostava de lhe apresentar Judith Butler e a Ideologia de Género , que tanto nega, erradamente. Ninguém profere que não existem sexos e não é isso que é ensinado. A Ideologia de Género defende, de facto, que existe macho e existe fêmea. Nega, contudo, os valores e conceitos sociais que lhes foram associados ao longo do tempo, culminando no que “é” intrinsecamente feminino e no que é intrinsecamente masculino, defendendo a desconstrução destes preconceitos societais associados ao que é próprio de fêmea e ao que é próprio de macho.
Em quinto lugar, informo-lhe que a tal permissividade que refere, que legalizou o aborto, acabou por diminuir os casos. Dados relativos a 2017 do Eurostat indicam que em Portugal houve uma diminuição geral do número de casos de aborto, sendo que a maioria das mulheres que recorrem ao mesmo se situa na faixa etária entre os 45 e os 49 anos, maioritariamente as que já foram mães, acima dos 30, representando 56% das interrupções. Como vê não são as adolescentes com 12 abortos no currículo, aliás, foi verificada uma maior queda de interrupções (10%) na faixa etária 15 aos 19 anos.
Por último, não é o facto de ser branca, heterossexual, anti-marxista, anti-drogas, pró-vida que a torna um perigo social. É disfarçar afirmações baseadas em calúnias como factos. É mostrar-se como portadora da “verdade” que toda a gente tem medo de dizer, quando é apenas preconceito injustificado. Eu sou branca, sou heterossexual, não concordo com o aborto moralmente e não me considero um perigo social.
O perigo social não está em quem se apresenta ser, mas sim não tolerar quem se apresenta ser o que a senhora não é.
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