De João Vasconcelos
Há uns tempos, Jontay Porter, poste dos Toronto Raptors, foi banido de jogar na NBA para o resto da sua vida.
Tal ficou a dever-se a ter feito várias apostas em jogos da NBA, nomeadamente, em jogos da sua própria equipa, chegando a apostar que a mesma perderia.
Porter não é um caso isolado no mundo desportivo. Basta olharmos para o futebol inglês: dois jogadores nos últimos dois anos foram sancionados com longas suspensões por apostarem em jogos seus (estou evidentemente a falar de Ivan Toney e Sandro Tonali). E como estes, muitos mais exemplos existirão.
O caso de Porter coloca a necessidade de fazer uma reflexão sobre o verdadeiro efeito nocivo das casas de apostas, o seu enraizamento em todos os desportos e como têm vindo a moldar o desporto, na minha opinião, para o pior.
Creio que a NBA, ou qualquer desporto “americano”, são paradigmas deste conceito a que vou intitular de “cultura de aposta”. Nunca as casas de apostas estiveram tão prevalecentesno seio da maior liga de basquetebol americana.
Desde patrocinar alguns dos podcasts mais ouvidos sobre o desporto como serem patrocinadores oficias da NBA e serem mencionados em qualquer timeout ou paragem durante o jogo (que, no basketball, são muitas).
Aliado a isto, nunca foi tão fácil apostar.
Com todas as promoções que existem e tudo isto à distancia de um clique, a rapidez com que se pode apostar num jogo (ou vários) e um fã iludir-se que pode fazer fortunas leva a que já há alguns anos tenhamos começado a ver os efeitos deste incentivo ao jogo.
Além desta instrumentalização dos jogadores, mais consequências nefastas surgem. É o caso dos insultos, das ameaças de morte e tantos outros comportamentos problemáticos que, infelizmente, já estavam normalizados no desporto por outras razões, à qual acresce esta.
Em março deste ano, Tyrese Haliburton, base dos Indiana Pacers, mencionou, em conferência de imprensa, este problema real que paira sobre a NBA, afirmando que se sente como um mero instrumento para fazer dinheiro, caso marque os seus lançamentos e chegue a um certo número de assistências.
É fácil esquecer que estas superestrelas multimilionárias também são seres humanos e que, como aconteceu com Porter, também podem ter uma saúde mental frágil, facilmente aliciada por esta cultura altamente viciante das apostas.
Parece-me, pessoalmente, surreal e desproporcional a forma como Jontay Porter foi tratado como bode expiatório. A verdade é que este deveria ter sido castigado pela conduta que teve, dado que caminhou numa linha ténue entre a ingenuidade de apostar e a consciência de perder jogos de propósito, uma vez que apostou na derrota da sua equipa.
Contudo, numa liga que se intitula de “progressista” e que afirma estar ao lado dos jogadores, é absurdoexistirem jogadores que agridem as suas companheiras e ainda possam continuar a jogar ou até jogadores que reiteradamente agridem colegas de profissão mas como jogam num dos franchises mais importantes da liga, são enviados para cursos de reabilitação e quando voltam mantêm tais condutas violentas (sim, refiro-me a Miles Bridges e a DraymondGreen).
A verdade é que é urgente encontrar soluções para este problema que, rapidamente, se alastrará para desportos que ainda não estão absolutamente contaminados por ele, como é o caso do futebol europeu, mas que lentamente estão a par e passo de lá chegar.
Com isto não estou a dizer que as casas de apostas devem ser banidas. Mas as próprias ligas têm de ter a consciência de que estas não são atrativas apenas para os seus fãs, mas também para os seus jogadores.
A meu ver, aligeirar as restrições que incidem sobre quais os jogos que os próprios jogadores (ou até treinadores) podem apostar evidentemente excluindo os seus jogos – possa ser uma solução para que não se repita o que já sucedeu.
A par disto, é crucial salientar ainda mais que o jogo pode ser altamente viciante e potencialmente destrutivo, e não apenas mencioná-lo numa mera nota de rodapé que é transmitida à velocidade da luz para todos os envolvidos se imiscuírem de qualquer responsabilidade.
Enquanto adeptos do desporto e consumidores do mesmo, temos também de pugnar para que as ligas não se deixem subjugar ao lucro que este negócio pode gerar. Temos de ser mais ativos em denunciar condutas abusivas para com os jogadores.
Também as ligas deverão ser mais ativas em proteger os seus jogadores de comportamentos violentos que esta cultura propaga e, acima de tudo, que não os martirize por ações que são expectáveis por parte daqueles que convivem diariamente com o potencial vício do jogo.
Infelizmente, no caso de Jontay Porter, este não foi apenas aquele que foi crucificado pelos seus erros, como também sugado pelo buraco negro da “cultura de apostas”, e o seu azar foi não se aperceber que estava a ser seduzido e, acima de tudo, que era jogador da melhor liga do mundo.
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