Devemos agradecer ao professor Ribeiro Telles a sua crença inabalável de que a natureza também tem um lugar neste mundo e esse lugar merece ser preservado da nossa ganância. Das muitas coisas que nos ensinou, a mais importante foi ter mostrado de que esta crença pode ser mais do que um ideal, pode ser materializada em leis e projectos concretos.
Obituário de António Vaz Pato
Estudante de Biologia, FCUL
É o nome mais sonante da história do ambientalismo português e muito lhe devemos por tudo o que aprendemos com ele. O seu trabalho foi incansável e as suas ideias e convicções são uma inspiração para os muitos que ainda defendem a relação do ser humano com o meio natural. Se hoje em Portugal falamos da importância da preservação do ambiente e da natureza, é porque este homem nunca desistiu da causa ambientalista. Gonçalo Ribeiro Telles deixou-nos esta quarta-feira, dia 11 de Novembro, aos 98 anos, em Lisboa, pondo fim a uma longa carreira de mais de 70 anos, recheada de feitos históricos e insucessos. Penso que hoje é importante lembrarmos os primeiros.
Recordo Ribeiro Telles não só como arquitecto paisagista, engenheiro agrónomo, professor, mas sobretudo como ecologista: um eterno defensor do interesse público e do espaço que a Natureza merece no mundo humano. Recordo este homem como aquele que quis trazer o campo para a cidade e aproximar os cidadãos da terra e das árvores. O resultado de parte do seu trabalho é conhecido de todos nós. A Gonçalo Ribeiro Telles devemos obras como o Jardim da Gulbenkian, o Corredor Verde de Monsanto ou o Jardim da Ermida de S. Jerónimo, entre muitos outros. Actualmente estes espaços são refúgios naturais procurados por muitos lisboetas ávidos de silêncio e calma. É também em Lisboa que o arquitecto paisagista aponta para o papel equilibrador das hortas e dos espaços verdes no vazio que separa o tecido urbano. Esta ideia ainda hoje, em 2020, parece ser embrionária e residual, mas já existia no pensamento de Ribeiro Telles há muitos anos: uma cidade só é plena quando consegue incorporar harmoniosamente o verde da Natureza.
Para além dos seus projectos mais célebres, é urgente lembrar o conjunto de ideias pioneiras e essenciais que o professor nos deu sem outro interesse que não a causa pública. Embrenhou-se no meio político português do pós-25 de Abril porque sabia que a política era o veículo que poderia concretizar as suas ideias e ambições. Todos conheciam bem as convicções de Ribeiro Telles: era um firme monárquico e fundou o PPM nesses tempos depois da Revolução. Contudo, nunca escolheu partidos quando o seu objectivo era claro: colocar o ambiente no centro das causas nacionais. Fosse como secretário de Estado do Ambiente nos governos provisórios, fosse como ministro de Estado e da Qualidade de Vida no famigerado governo de Sá-Carneiro, ou até como deputado no Parlamento (na bancada do PS!), Gonçalo Ribeiro Telles lutou sempre por projectos que hoje consideramos banais, tão banais que nem vemos a sua relevância. Foi ele a figura central, por exemplo, na criação de áreas protegidas, na discussão de temas como o ordenamento do território e a gestão da paisagem (aqui deixo a nota à sua oposição notável à expansão descontrolada do eucalipto) e no estabelecimento da Reserva Ecológica Nacional (REN) e da Reserva Agrícola Nacional (RAN), que asseguram na lei a utilização sensata dos solos férteis e a conectividade das comunidades de seres vivos.
Devemos agradecer ao professor Ribeiro Telles a sua crença inabalável de que a natureza também tem um lugar neste mundo e esse lugar merece ser preservado da nossa ganância. Das muitas coisas que nos ensinou, a mais importante foi ter mostrado de que esta crença pode ser mais do que um ideal, pode ser materializada em leis e projectos concretos. Isto sim é uma chamada de atenção para os políticos que escolhem fechar os olhos aos problemas, reafirmando a sua impotência em resolvê-los. Eu não diria impotência, diria antes cobardia e falta de sentido ético, porque as desculpas não servem de nada. Pergunto-me se alguma vez conseguirão seguir o exemplo de gigantes como o arquitecto Ribeiro Telles.
Gonçalo Ribeiro Telles é a prova humana de que a luta pelo ambiente não escolhe lados políticos ou sociais: é uma luta de todos para todos. A realidade é que, neste país, essa mensagem não é consensual, porque nos falta profundidade. Talvez ninguém questione a distância que nos separa da terra, mas são poucos aqueles que se atrevem a medir, primeiro, e depois diminuir essa distância. É por esta razão, e por muitas outras, que devemos recordar o legado e o pensamento de Ribeiro Telles. Há causas que nos dizem a todos respeito e a preservação do ambiente é uma delas.
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