Há uma coisa importante que me vem à cabeça quando acordo mal disposto: a culpa do Portugal que temos não é só dos que fazem merda (e que acabam frequentemente por nos liderar a diversos níveis), mas também, mais gravosamente, daqueles que não fazem, nem querem fazer, merda nenhuma.
Há muita gente que se atira ao bruto, e cheio de razão, do André Ventura, que vai coleccionando as lágrimas dos nossos jovens snowflake portugueses, quando aponta para os graves problemas de subsidiodependência em Portugal. Só em 2019 foram mais de 19 mil milhões de euros, que podiam estar a apoiar jovens universitários a arranjar casa em Lisboa ou a ajudar a tirar os milhares de sem-abrigo portugueses das ruas. É, mais do que fruto das circunstâncias, um problema culturalmente enraizado.
Dados de sucessivos relatórios do Global Enterpreneurship Monitor (GEM), usando indicadores de Hofstede, um psicólogo holandês, apontam já há uma data de anos para uma cultura portuguesa com duas características particulares, que certamente nos ajudam a perceber a razão do problema e que obrigam a uma leitura conjunta. Com efeito, temos, por um lado, dos mais elevados índices de distância hierárquica do Mundo, que nos informa sobre as nossas relações de dependência. Mostra que lidamos bem com distribuições desiguais de poder, fazendo com que já tenhamos acumulado várias gerações de portugueses que aceitam haver certos privilégios inerentes ao desempenho de determinados cargos e esperam que, havendo problemas para resolver, haverá quem tenha a obrigação de o fazer. Há, assim, uma dependência significativa face às lideranças, aceitando-se o monopólio da decisão e a subjugação inerente, trocando-se a cega lealdade pelo conforto do status quo. Por outro lado, têm os relatórios também mostrado um país com uma cultura altamente feminina, que se traduz em portugueses buscando uma vida de conforto e felicidade, a um nível miserável como aquele que se tem oferecido, em oposição a uma busca ambiciosa por sucesso, conquista e self-government, característica de culturas com elevado índice de masculinidade. É deste espírito de falta de ambição, competitividade e ânsia de poder saudável que resulta um acumular de subsidiodependentes, que nada mais procuram senão picar o ponto em entrevistas obrigatórias de emprego, vivendo confortavelmente dos subsídios de desemprego ,rendimentos sociais de inserção ou da simpática carreira no setor público: a cultura do “Oh Papá Dá Cá”.
Os proveitos deste fado? Colhe-os o Governo, que mantém assim a sua clientela eleitoral próxima e obrigada, confortável e comprada. Melhor o escrevia já Alexandre Herculano no século XIX: “Dantes os cortesãos repartiam entre si os frutos, e diziam ao rei que tudo era dele e para ele; hoje os ministros reservam-nos para si ou distribuem-nos pelos que lhes servem de voz, de braços, de mãos e dizem que tudo é do país, pelo país e para o país. E não mentem. O país de que falam é o seu país nominal; a sua clientela, o seu funcionalismo”. Assim continuamos.
A fatura? Pagá-la-emos nós, paciente eleitor, que sofreremos quando o nosso sistema de providência quebrar, tal a insustentabilidade que se tem acumulado. Urge, mais que nunca mas como desde sempre, a revolução cultural a que a nossa geração está obrigada e que, no fundo, impele a uma escolha: andaremos por nós ou a reboque de outrem? Contaremos connosco ou com os chefes? Esperaremos de nós ou do Estado?
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