de Pedro Teixeira Brites
De 4 em 4 anos, enquanto nação, sentamo-nos nos sofás das nossas casas e fazendo figas pela comitiva portuguesa que se reúne para representar Portugal nos Jogos Olímpicos (JO).
Vemos desportos que nunca ouvimos falar e fazemo-nos de entendidos de competições que, até então, não tínhamos conhecimento algum. Também isso é a magia dos JO. Damos atenção a modalidades, para nós esquecidas durante o interregno entre JO.
Vemos judo, vemos atletismo, natação, canoagem, ténis de mesa, ginástica, hipismo, ciclismo de pista…um sem fim de coisas que, durante o restante tempo, nos é praticamente indiferente. Nunca esperamos ganhar muitas medalhas, mas esperamos e exigimos sempre qualquer coisa.
Uns diplomas, uns bronzes e qualquer medalha que possa vir e deixar-nos com a sensação de que, enquanto coletivo, trabalhamos e contribuímos para isso.
Durante este texto, o meu objetivo é oferecer uma perspetiva diferente. Porque será que não somos bem-sucedidos nos JO? Porque é que existem países com uma população semelhante à nossa, mas com registos olímpicos tão superiores? O que é preciso para fazer para ter sucesso olímpico.
E, por fim, o que é que falta a Portugal para, de 4 em 4 anos, celebrar mais feitos olímpicos?
Ouro olímpico – da escassez ao hábito.
Por sistema, os JO costumam concentrar a maioria das medalhas num número pequeno de países: EUA, China, Rússia/USSR, França, UK, Alemanha...A estes juntam-se outros países bastante bem-sucedidos, num patamar ligeiramente mais abaixo: Itália, Austrália, Hungria, Suécia, Japão, Canadá, Holanda, Finlândia…que acabam por oferecer uma perspetiva interessante para os tópicos que vou abordar.
Falando de probabilidades, teoricamente, países com maior população, economicamente mais bem-sucedidos e com maior participação e emancipação feminina, são os mais favorecidos a vencer o ouro olímpico. Partindo destas 3 variáveis, podemos encontrar algumas regras, mas demasiadas exceções.
Países como EUA, Rússia/USSR, China e UK confirmam que maior população equivale a mais medalhas. No entanto, o que explica o falhanço da Índia em encontrar olímpicos na sua população, com o pior desempenho do mundo (na variável medalhas per capita)?
Países como Paquistão, Filipinas, Indonésia, Vietnam, Nigéria e por aí fora, são países que, não passando das 35 medalhas na história, têm todos uma população superior a 80M. Em contraste, Finlândia, Hungria, Suécia, Dinamarca, Cuba, Bulgária, Suíça e Alemanha de leste são países que, todos com menos de 17M de habitantes, têm acima de 200 medalhas.
Assim se percebe que, comparar países e os respetivos resultados olímpicos consoante a população é, como seria de esperar, uma forma totalmente incorreta e pouco sensata de se fazer este tipo e avaliação. Durante estes JO, numa publicação em tom de revolta, vários utilizadores da rede X, fizeram menção à diferença entre Hungria e Portugal.
Ambos países perto dos 10M de habitantes, mas total disparidade a nível de desempenho olímpico (Hungria com 530 medalhas e Portugal com 32). Mas já lá vamos.
Colocando PIB na equação, rapidamente percebemos que os países com maior quantidade de medalhas são países com um PIB per capita superior à média. Há exceções (Cuba, Alemanha de Leste, Hungria, Roménia) mas a maioria dos países mais medalhados é também uma fração dos países com melhores índices de PIB per capita.
Qual o problema deste tipo de análise? Não explica o sucesso de países como USSR, Cuba, Hungria, Roménia e Alemanha de Leste, bem como não explica a fraca prestação de países com maior PIBpc (na Europa e no Médio Oriente, por exemplo).
Para finalizar esta primeira análise, faz sentido abordar a questão da vertente feminina das modalidades. Tendo em conta as estatísticas mais recentes, países que incluem maior quantidade de mulheres na sua força de trabalho, acabam por estar representados como os países mais medalhados no desporto feminino.
Num estudo que tem por base os jogos olímpicos de 2012 e os jogos de inverno de 2014, a conclusão obtida é que países que são compostos por comitivas com maior igualdade de género acabam por ter maior sucesso – isto pode revelar que países cujas mulheres tenham maiores oportunidades, acabam por desempenhar melhor nos JO.
Por norma, os dois primeiros diferenciais são os mais utilizados para, de forma altamente rudimentar, criar comparações entre países nos JO. “
Ah mas a Hungria tem 500 medalhas e Portugal tem 30 e ambos os países têm 10M de habitantes. Temos de ser mais exigentes!”.
O problema destas críticas prende-se com o quão ocas são. Críticas vazias e sem qualquer conteúdo, de facto, a considerar. Insinuar que os diplomas olímpicos de alguns atletas portugueses são apenas vitórias morais e desconsiderar as performances que vários dos nossos atletas fazem, apenas revela a ignorância do sítio de onde partem as críticas. Vamos ao que interessa. O que é que falta, de facto, a Portugal para se tornar num país mais medalhado?
Para realizar este diagnóstico, faz sentido abordar 3 tópicos: investimento público, conhecimento adquirido e a realidade cultural portuguesa.
Investimento público
Achar que o investimento público não influencia o sucesso olímpico de um país é um erro. Olhando para (o mau) exemplo da equipa olímpica norte-americana, o deputado da IL, Bernardo Blanco, afirmou que a equipa dos EUA é um bom exemplo de como a “narrativa” dos apoios estatais ajudarem à conquista de medalhas é isso mesmo, uma “narrativa”.
Vamos ignorar o cherry picking e o exemplo ridículo de um país conhecido pela aposta singular no desporto universitário e no financiamento público de modalidades olímpicas consoante os seus resultados - US Olympic Funding Leads to Medals, and Vice Versa: Data Viz (sportico.com).
Olhemos para vários exemplos ao redor do mundo.
Hungria, Cuba, Roménia, República Checa, USSR e Alemanha de Leste. O que têm em comum estes países?
O passado político e os avassaladores resultados olímpicos obtidos. Historicamente, países comunistas ou aliados da USSR, apostaram fortemente na criação de escolas e acompanhamento especializado com o objetivo de formar campeões – com um claro intuito político por trás. Isso fez-se (e faz-se) notar nos JO.
Cuba é dos países mais bem-sucedidos de sempre dos JO, apesar da situação económica precária e da baixa população. A Alemanha de Leste, em apenas 5 edições, garantiu 409 medalhas – mais que o Canadá, Holanda, Polónia, Roménia, Finlândia ou Coreia do Sul, desde sempre e o dobro das da Alemanha Ocidental durante a mesma altura. É facilmente percetível que comparar Hungria e Portugal torna-se ainda mais ridículo - era ter pegado num livro de história antes de tirar conclusões.
Continuando até ao dia de hoje, a Hungria é um dos países com maior investimento (na EU) per capita e em % do orçamento, na área do desporto – Suécia, Finlândia, Dinamarca, França, Holada e Bélgica também em destaque, neste quesito.
Portugal, como seria de esperar, no fundo de uma lista considerável de países que investem e alcançam mais que o nosso país nos JO.
Outro exemplo a ter em conta é o da Austrália: a criação do Instituto Australiano do Desporto, em 1981, teve 2 objetivos: criação de atletas de elite e aumento da participação da população em atividade desportiva.
O foco era maior na primeira premissa e, o sucesso desta, levaria ao sucesso da segunda, com mais pessoas a praticar os desportos no qual viam os seus compatriotas serem bem-sucedidos. De $1.2M (76/77) até $106M (97/98), o investimento australiano no desporto trouxe resultados. Desde 1992 que a Austrália está no top-10 de mais medalhados e são conhecidos pelo domínio de modalidades como a natação e o atletismo.
A Espanha é outro bom exemplo: após o investimento feito para os JO de Barcelona (1992), tornou-se um país representado de forma assídua no top-20 mundial de mais medalhados nos JO – até então só tinha acontecido por 3 vezes.
A Espanha também sofreu do Host Effect (o país que recebe os jogos tem tendência a melhorar a performance) e soube aproveitar isso para alavancar o seu sucesso no pós-Barcelona.
Não será difícil de perceber que, ao contrário do que se possa sugerir, investir no desporto – das federações até ao desporto escolar – terá efeitos benéficos para o país.
Quem terá melhor performance: o atleta português que tem um emprego para poder suportar os custos da sua prática desportiva ou o atleta húngaro que pode viver apoiado pelo estado e focado apenas e só no treino e na competição.
E vejamos de outro prisma: a diferença entre uma medalha olímpica e uma saída inglória numa fase inicial da competição é ténue. Falamos de segundos, décimas ou centésimas. Falamos de meio metro, uns centímetros ou uns milímetros.
E num universo em que competimos contra atletas altamente bem preparados, ter um atleta focado apenas e só no seu treino faz a diferença – já para não falar em custos em psicólogos, nutricionistas e apoios que aumentam a performance dos atletas.
Obviamente que atirar dinheiro aos problemas não os resolve, mas financiar de forma eficiente as modalidades além futebol é um passo fundamental para assegurar a competitividade em eventos como os JO.
E depois torna-se cíclico: mais investimento traz mais resultados e mais resultados traz mais patrocinadores. A Espanha é um ótimo exemplo disso.
Conhecimento adquirido: para ser especial é preciso especialização
Se virmos as medalhas ganhas pela China, EUA, Austrália e afins, percebemos que há áreas de domínio de cada país. A Austrália tem 188 medalhas na natação – a segunda área mais medalhada é o atletismo com 73.
Os EUA têm 828 medalhas em atletismo e 608 em natação. A categoria em que se destacam em 3º lugar é a da luta (livre e greco-romana) onde têm menos de 200 medalhas. A USSR ganhou quase 200 medalhas em ginástica e atletismo e mais de 100 em lutas. Após estas categorias, nenhuma outra passa das 62.
O que quero dizer com isto? Que cada país, tendo conhecimento adquirido (leiam-se, bons resultados) em determinadas modalidades, terá maior facilidade em continuar a ser melhor. Como se podem ver nestas imagens, quando um país se especializa e é o melhor num desporto, a probabilidade de se manter o melhor é grande (A Visual History of Which Countries Have Dominated the Summer Olympics - The New York Times (nytimes.com)).
Medalhas ganhas por país por modalidade em JO:
1 - Atletismo (vertentes de corrida até aos 400M)
2 - Corrida de média e longa distância
3 - Lançamento do peso/disco
4 - Natação
5- Badminton
6 – Canoagem e caiaque
7 - Ténis de mesa
Olhemos para Portugal: o salto em comprimento, o judo e as disciplinas de resistência do atletismo é onde concentramos mais medalhas. Ou olhemos para o futebol. Embora sejamos um país pequeno, isso não nos impede de formar talentos de topo a nível de jogadores e treinadores.
Porquê? Porque esse conhecimento foi sendo adquirido e acumulou-se. Duas das maiores formações de futebol do mundo são portuguesas. E isso tem uma importância tremenda a partir do momento em que a profissionalização dos atletas acontece de forma tão prematura – o investimento na formação, os conhecimentos acumulados e a capacidade técnica de se criarem e potenciarem talentos de topo é o fundamento para se criarem os melhores dos melhores.
Depois de formar um atleta de topo, é muito mais fácil pegar nas aprendizagens dessa formação e criar o segundo, o terceiro, e por aí fora. E em Portugal, fora o futebol e uma ou outra exceção, isso é escasso.
Cultura portuguesa: bola, bola e…bola.
Se pouca atenção damos às modalidades, isso deve-se porque o nosso foco se centra numa só. O futebol move mundos e fundos neste país. Em Portugal vive-se consoante a ida à bola e os resultados dos grandes.
As proezas nos europeus ou mundiais de atletismo, os records na natação, os combates de judo vencidos…nunca abrirão telejornais e não serão capas dos jornais ditos desportivos – salvo raríssimas exceções.
E não é porque algo mais grandioso se põe à sua frente. Nestes jogos olímpicos, por mais que uma vez, um dos três desportivos preferiu fazer uma capa ao redor de rumores de transferências ou de avaliações de pré-época sem grande substância, perante a possibilidade de dar destaque às tão gloriosas medalhas olímpicas portuguesas. Isto é sintomático.
Nunca se fala de outro desporto que não o futebol, em Portugal – é aberta uma exceção quando algum atleta vence um mundial ou um europeu na sua modalidade, tendo nesse curtíssimo instante, a possibilidade de aparecer durante 30 segundos na fase final do telejornal sem qualquer destaque ou então quando há vitória de um dos grandes no futsal, vólei, hóquei ou andebol (o que demonstra um padrão curioso).
O porquê de isto acontecer pode dever-se a uma infinidade de questões: o futebol é o desporto que mais dinheiro move, o que mais adeptos tem, o desporto no qual Portugal mais destaque consegue (jogadores, clubes e seleção), o que mais investimento recebe, o que mais praticantes tem.
E poderia estar tudo bem assim.
O grande problema é que nos pomos a exigir. Queremos medalhas olímpicas. Queremos, de 4 em 4 anos, agarrar no nosso patriotismo (maior ou menor) e vê-lo apaparicado por conquistas com as quais não temos nada que ver – fora estas 2 semanas de 4 em 4 anos, qual é o nosso apoio a estas modalidades e atletas?
Queremos ganhar, ser os melhores, fazer um brilharete. Queremos que as visitas entrem em nossa casa e se sintam deslumbradas, apesar de nunca aspirarmos o pó ou varrermos o chão. Queremos gritar “é nossa!!!” em apoteose quando, no máximo, deveríamos gritar “é deles”.
Não é ser moralista – não acompanho maioria das modalidades olímpicas fora do período olímpico – é ter vontade de levar estes atletas mais longe. Cabe a nós, adeptos de desporto, exigir que os Governos, as federações, os próprios clubes de maior dimensão em Portugal (não me refiro aos grandes apenas) e todos os responsáveis pelo desporto em Portugal, melhorem as condições deles.
Não é suposto passarmos os dias a ver desportos que nada nos dizem. Cada um terá as suas preferências e isso é o normal. No entanto, fará sentido mostrar todo o apoio e compreensão aos atletas portugueses que participam em modalidades com menor investimento.
Após a vitória da prata, Pichardo falou do quão difícil tem sido lutar para poder competir. Faltam condições e apoio (do Governo e dos clubes).
Se queremos celebrar mais bronzes, pratas e ouros, não é atirando para o ar os típicos “os nossos nunca vão a lado nenhum”, “eles chegam aqui, mas depois parece que falta qualquer coisa” ou o “temos de exigir mais deles” que lá vamos.
É ter a perceção e a compreensão de que, tal como a educação ou a saúde, o desporto é uma área com carências e que é fundamental (e não só pelas medalhas, longe disso).
O desporto escolar em Portugal é uma piada, os incentivos à prática desportiva não são os maiores (horários escolares que sobrecarregam alunos e não lhes permitem ter tempo para, fora da escola, praticarem atividades desportivas e de lazer, os preços de materiais, inscrições e quotas são um impedimento, não existe – a nível profissional – perspetivas de sustento na área desportiva, exceção feita no futebol e pouco mais) …são variadíssimas as razões para sermos o que somos.
Nestes JO tivemos a melhor participação de sempre. Mas poderia ser muito mais. O Brasil criou um programa de bolsas para os seus atletas que garante um salário (ajustado ao seu “nível” desportivo) para certificar que os atletas não precisam de ter nenhuma outra preocupação.
Todos os 60 medalhados do Brasil em Paris tiveram, em algum momento, apoio desta bolsa e foram vários os atletas que referiram a importância deste apoio para a sua estabilidade financeira e para a manutenção do seu foco naquilo que é o seu objetivo desportivo.
Sem estes apoios, sem a criação de centros de alto rendimento como o da Anadia, envoltos numa estratégia clara de criação de atletas de topo, sem investimento, apoio ou compreensão, nunca chegaremos a lado nenhum.
Porque, se dependermos de “patrocinadores”, o investimento para a criação de infraestruturas não chegará. Quem é o patrocinador que quer investir num centro de alto rendimento que aposte numa modalidade na qual Portugal não tem um histórico vencedor – como era o caso do ciclismo de pista até hoje – e que esteja disposto a esperar 15 ou 20 anos até ter resultados que estejam à vista de todos?
Por fim, termino olhando para as palavras de Marcelo. Pese as concordâncias entre as suas opiniões e as minhas sejam raras de encontrar, creio que aquilo que disse após o fim dos JO é acertadíssimo. Hoje, este é o tema central.
Todos queremos o maior apoio possível para os nossos atletas por estarmos a surfar esta onda que começa a cada edição dos JO.
Quando a onda rebentar e tivermos de agarrar na prancha e voltar para o mar, que vontade nos sobrará? Quando para o ano o Orçamento de Estado mostrar nenhuma evolução neste sentido, como iremos reagir? Se existisse uma aposta e um aumento de investimento nesta área - investimento este que não traz resultados imediatos - e que é medido por muitos, de forma algo cruel, de 4 em 4 anos, qual seria a opinião de todos nós? E quando os resultados não aparecessem logo, como seria? E quando algum governo quisesse fazer cortes, onde iria cortar?
Tudo isto importa. Se queremos ser melhores, ter mais atletas a chegar com medalhas aos nossos aeroportos, mais choros de felicidade em pódios além Portugal ou tocares do hino nacional para todo o mundo ouvir, quão dispostos estamos nós a agarrar na prancha depois da onda rebentar e voltar a entrar na água, mesmo com ondas a vir na nossa direção?
Parabéns a todos os atletas que representaram Portugal nos Jogos Olímpicos de Paris. Parabéns à comitiva pela nossa melhor participação de sempre. São gigantes. Só falta a quem de direito perceber isso.
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