De Pedro Teixeira Brites
Por onde começar a crónica de um jogo tão fraco como o que Portugal fez ontem?
Deixando a história feita pela Geórgia de lado, não há nada no jogo que não nos deixe a pensar em tudo o que não correu bem e no que correu francamente mal. Comecemos pelo início.
Num 11 revolucionado, há logo situações que têm de ser objeto de estudo. Se toda a equipa roda, porque é que Ronaldo e Diogo Costa não rodaram com a restante equipa?
Ignorando a situação do guarda-redes do Porto, que não tem a mesma preponderância nas escolhas do selecionador que CR7, porque é que Ronaldo é titular, aos 39 anos, num jogo que poderia ter sido usado para descansar e recarregar baterias para os 8ºs?
Faltava bater que record desta vez?
A ideia de deixar Palhinha no 11 poderia ter feito sentido a priori – Palhinha, recebendo amarelo, não jogaria frente à Hungria (que acabou por sair do Euro) e resguardar-se-ia para os 4ºs de final.
No entanto, escolher Palhinha para o 11 inicial implicaria a presença de um criativo no meio-campo que desbloqueasse o jogo fechado que, certamente, iríamos encontrar. Ora, a escolha de João Neves pecou por isso.
Não sendo um criativo, tendo pouca capacidade de movimento e sendo um recuperador de bolas nato, a escolha do jogador do Benfica revelou-se aquilo que sempre foi: uma sobreposição à função de Palhinha, não existindo nenhuma opção para explorar a construção mais criativa em terrenos avançados.
Para além disso, jogar com 3 centrais e Palhinha/Neves contra uma Geórgia que vai encarar o jogo de forma altamente defensiva é inexplicável.
A juntar a isso, há ainda outra questão: Pedro Neto é um bom jogador. Melhor, é um bom extremo. Colocar Pedro Neto a jogar como ala quando não se levou nenhum ala para a Alemanha (Nuno Santos à cabeça) deixa muitas dúvidas às, já duvidosas, escolhas de Roberto.
O futebol dos Apaixonados
Perder foi mais que merecido. A segunda equipa de Portugal é melhor que 85% das seleções deste Europeu.
Dalot a jogar como ala e a fechar como interior e a terminar vários lances na área ao lado de Ronaldo. Qual o cabimento? Palhinha a ter de subir no terreno e a queimar posições à entrada da área. Qual o cabimento? Voltar a cair no erro de jogarmos em 3-4-3 depois de se perceber que, esta seleção, com estes jogadores e as funções em que costumam funcionar é ser ingénuo ou incompetente? Ou ambos?
Que sentido faz rodar uma equipa e criar “flexibilidade tática” para termos jogadores a jogarem em funções em que são subaproveitados? A jogar com 3 centrais, Palhinha/Ruben e João Neves, como é que é possível sofrer tanto nas transições defensivas? Forçar Pedro Neto e Chico Conceição a enfrentarem constantes situações de inferioridade numérica por não terem apoio nenhum nas zonas laterais de campo – Pedro Neto era um ala solitário e Chico via Dalot a ir para terrenos interiores.
Ora, quando o nosso meio-campo vive sem qualquer intencionalidade e não temos jogadores a queimar linhas, torna-se natural a lateralização do jogo. Mas se nas zonas laterais colocamos apenas um jogador em cada ala, será expectável que a criação a partir daí esteja a viver de resquícios de criatividade de quem lá está.
Em relação a Félix, fez um bom jogo. É o melhor português em campo nos primeiros 45’. Entrelinhas fez diferença e, não raras vezes, assumiu ao máximo os lances de maior perigo da seleção. Impôs a sua qualidade e não marcou por pouco.
Ronaldo faz um jogo apagado, sem grandes contribuições para o futebol da seleção nacional. Enquanto homem de área não letal e, enquanto jogador de equipa, pouco e mal se associou com os restantes colegas.
Sobre a exibição de António Silva. É uma exibição desastrosa. Não deverá ser titular nesta seleção e, se o for, é um erro.
O lance do penálti é um pouco ingrato pois o central vai tentar remendar uma perda de bola de João Neves praticamente dentro da grande área.
Em relação às substituições: é incompreensível recorrer Ruben Neves para dar mais capacidade de construção no último terço, um problema óbvio. É como querer curar um cancro do pulmão fumando 10 maços de Marlboro.
João Neves devia ter saído de campo muito mais cedo para dar lugar a um jogador com maior capacidade de galgar terreno.
Os pontos positivos do jogo: Chico mostra-se, previsivelmente, como mais que uma solução para entrar em cima dos 90’. É um abre-latas e um criativo puro. Pedro Neto não teve nenhuma exibição de outro mundo – a solidão já mencionada não o favoreceu – mas merece ser tido em conta como desequilibrador a utilizar na segunda parte de jogos mais fechados.
João Félix teve uma ótima exibição. Jogar com ele entrelinhas e contar com a sua criatividade e técnica é um privilégio. É nesta função que melhor joga – já o tinha mostrado contra a Irlanda.
Martínez falou em não termos tido “clareza nem último passe” na conferência após o jogo. É normal não ter a clareza nem o último passe quando os protagonistas destes momentos estão fora de campo e, quem lá está dentro, não está habituado a desempenhar as funções que geram a “clareza” de que Martinez falha.
O selecionar referiu também que “individualmente, os jogadores podiam mostrar o que queriam fazer pela seleção, a Geórgia fez isso”, alegando alguma falta de compromisso aos jogadores da seleção.
Falar de pouca entrega quando se coloca jogadores em funções sobrepostas e cujo sentido é escasso, chega a ser perturbador.
Martinez compara o jogo da Geórgia ao da Irlanda. A única semelhança entre os jogos é o facto de termos 3 centrais em ambos. O modelo foi diferente, os jogadores diferentes foram – Cancelo à esquerda, Leão a abrir à esquerda ou como interior, Dalot a jogar aberto (e não a interior) à direita e Bruno no meio-campo, não Palhinha. Martinez deve ter feito alguma confusão com os jogos que viu.
Último ponto em relação ao selecionador português: falar da inconsistência do VAR após esta derrota quando podia estar 1 hora a falar as suas próprias inconsistências é, no mínimo, irónico.
Já tínhamos sentido dificuldades a defrontar a Croácia. Hoje voltamos a espreitar para o fundo de um abismo no qual temos todas as capacidades de não cair – individualmente somos top 2/3 melhores seleções do Mundo – mas se continuarmos a ignorar a desorganização que esta seleção tem sido e para a falta de soluções que Martinez tem para quando as coisas correm menos bem, bem que podemos começar a ensinar os jogadores a usarem instrumentos para fazerem rappel, será preciso.
Ontem jogámos mal. Perdemos de forma mais que merecida. Embora não existisse nada para ganhar, muita coisa podia ser perdida. A confiança em certos jogadores, a desconfiança num grupo que podia, facilmente, passar de cabeça leve à próxima fase.
Roberto Martinez é um selecionador fraco. Não tem ideias. Não consegue ter intenção em nada. Não consegue reparar erros. Vamos de cruzamento em cruzamento, de remate de longe em remate de longe até ao nosso expectável fim.
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