Diz-se por aí que as novas gerações são pouco independentes, dadas a facilitismos. Porém, somos complacentes e deixamos que o Estado interfira em demasia na definição da vocação de cada indivíduo
No dia 17 de Janeiro foi noticiado que o Ministério da educação iria proceder ao prolongamento da Escola a Tempo Inteiro (das 9h às 17h) aos alunos do 2º ciclo, ainda que de forma experimental. De modo a colocar as coisas em perspetiva, os alunos, em breve, passarão mais tempo na escola que a grande maioria dos funcionários públicos nos seus postos de trabalho. Este programa, que o Estado ambiciona alargar até ao 9º ano, pode passar por despercebido para alguns, mas levanta algumas questões de fundo que nos fazem refletir sobre o nosso sistema educativo.
Reconhecendo a importância da metodologia e do rigor na aprendizagem, que normalmente toma lugar em contexto de sala de aula, deve-se, de igual forma, enaltecer toda a parte do conhecimento que é obtido na prática e pela experiência. Fora da sala de aula os jovens devem ter oportunidade de explorarem aquilo que são as suas paixões e interesses, com o objetivo de se conhecerem a si próprios e de tomarem uma posição central no seu crescimento e formação enquanto indivíduos e membros da sociedade. A este tipo de educação, a que chamamos não-formal, o Estado tenta preencher uma lacuna existente, pecando por seguir uma abordagem top down e um modelo one fits all.
Com este plano, o Ministério pretende oferecer algumas atividades extracurriculares, que vão desde a Educação para a cidadania, a atividades de natureza desportiva, cultural ou musical. Mais uma vez, e tal como acontece com a saúde, o Estado demonstra o desejo de ser quase que um garante único na prestação destes “serviços, em vez de assumir o seu verdadeiro papel e garantir que todos os jovens têm acesso a tais oportunidades. Não é o Estado que deve decidir que uma jovem faça natação ou toque guitarra, mas deve ser a jovem a ter liberdade de escolha e optar pela atividade cultural, desportiva ou comunitária que mais lhe interessa. Ao Estado compete apenas reavaliar o seu papel paternal e deixar que os alunos saiam literalmente para a rua e tenham tempo para participar em atividades que lhes suscitam interesse, independentemente do rendimento das suas famílias.
Quando temos a humildade de tirar o casaco cosmopolita, que tanto este governo estima, e prestamos atenção ao interior ou a zonas urbanas mais desprivilegiadas, vemos que este programa se torna uma piada. O governo quer ensinar normas de higiene e segurança em salas cobertas de amianto e quer que os jovens pratiquem badminton de gorro e luvas, porque os pavilhões estão mal revestidos. As nossas escolas estão mal preparadas e os nossos educadores em ponto de rutura - o Estado deve,com humildade, reconhecer os seus limites e delegar a competência da formação a associações de voluntariado, clubes, projetos e grupos para jovens. Quando estes não existem, o Estado deve erguer pontes com os governos locais que melhor conhecem a realidade; ou devem dar as ferramentas necessárias aos jovens para construírem o seus projetos, materializarem as suas ideias, potencializando o espírito criativo e empreendedor de cada um.
Diz-se por aí que as novas gerações são pouco independentes, dadas a facilitismos. Porém, somos complacentes e deixamos que o Estado interfira em demasia na definição da vocação de cada indivíduo. Porém, impedimos que os jovens tomem iniciativa e posições de liderança porque,na escola, apenas o professor é a figura autoritária e o aluno a obediente. Porém, pedimos aos jovens que frequentam escolas problemáticas e com menos acessos que baixem a cabeça e nem pensem em encontrar refúgios para além da portaria.
O governo alegra-se com o estado da educação.Tal como o ministro da educação apresenta-se feliz e esperançoso com o rumo da sua pasta durante o debate do Orçamento de Estado. Os seus filhos em breve passarão mais tempo em “casa”, onde quietos é mais fácil controlá-los. Cria-se um “currículo para a experiência”, porque os jovens estão sujeitos à liberdade que o Estado lhes alimenta. Nós pedimos-lhe que voem quando, a uma idade tão tenra,as asas lhes são cortadas.
Gonçalo Loureiro
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