A resposta perante a crise não é, como para os movimentos soberanistas insatisfeitos, abandonar a Europa, a resposta é mais Europa, mas não uma qualquer, uma que seja de todos os povos europeus e que para eles funcione.
Crónica de Duarte Marçal
Estudante do mestrado em História do Direito na FDL
As declarações do Ministro das Finanças da Holanda, segundo as quais os países do sul deveriam ter os seus orçamentos investigados pela União Europeia, foram posteriormente validadas pelo próprio primeiro-ministro, que veio defender que a solidariedade é precisamente o seu contrário e que jamais haveria mutualização da dívida. Este não é o princípio do fim da União Europeia, mas o seu anúncio. É revelação de que nem nos momentos mais agudos – que por patologia deveriam unir as gentes - existe uma identidade europeia, que - aliás - nunca existiu, nem existirá. Ao invés disso existe a identidade da ideologia que é dogmática, totalitária, absorvente e antidemocrática, uma das inimigas da Europa, que pela religião do mercado livre não conhece nem exceções nem contradições.
A identidade do preconceito, filho primeiro e favorito da ignorância, diz que os países do Sul gastam o dinheiro em mulheres e vinho, são incapazes de se governarem ou deixarem governar pelos povos superiores do Norte. Será talvez por isso que estes podem ter um estado social, empresas públicas e laivos da social democracia, tendo as periferias de vender o seu, implementar austeridade e desmantelar o estado, e deixar tudo aos agentes da virtude – as empresas.
Os inimigos da Europa estão, por isso, cá dentro, pois preferem a morte à concessão, ou um reino de consciência ordoliberal e egoísta a um reino gentil do nada.
As estruturas políticas superam ou falham as crises na medida da força das suas instituições e dos povos que lhes dão vida. Quando esta estrutura cair, a Europa também cairá. Quando os povos se juntam pelos grilhões da dívida imposta por uma classe tecnocrática, pelas relações de força do dinheiro, da população e do poder, não existe um projeto de comunidade, nem a fraternidade, nem o sentimento de pertença, mas a institucionalização da competição e da concorrência entre estados.
Para pessoas como eu, que já desistiram de ambicionar o fim do Grande Jogo, isto é, a paz perpétua e universal obtida seja através de uma superpotência hegemónica que impõe a sua vontade às outras, seja através uma nova ideologia das relações internacionais que faça res nullius aos últimos séculos de predação da humanidade sobre si mesma, a Europa é a única alternativa.
A princesa Europa é portanto o baluarte do ocidente, das suas liberdades, da sua dignidade, da sua relativa igualdade. Filha dos latinos e dos gregos, que lhe deram um corpo, e do Nazareno, que lhe deu a alma. É onde vive a nossa civilização, e ela ou se une ou será destruída. Sem ela existem pequenos estados que, em lugar de um império unido, serão divididos pelos imperialismos chinês e americano e a nossa civilização será perdida.
A resposta perante a crise não é, como para os movimentos soberanistas insatisfeitos, abandonar a Europa, a resposta é mais Europa, mas não uma qualquer, uma que seja de todos os povos europeus e que para eles funcione. Esta luta existencial só será possível com a derrota ideológica dos inimigos inconscientes da civilização. Vitória essa que se coroa quando um italiano, um português e um espanhol valerem o mesmo que um holandês e um alemão.
Até lá sobreviveremos juntos, ou desapareceremos separados e da Europa apenas restará doce memória.
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