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Os pobrezinhos

"Enquanto se relacionar o problema do chamado “populismo” com a falta de “alfabetização” do eleitorado, apontando o dedo aos pobrezinhos, nunca se vai dar um passo em frente no combate a um eventual problema de fragilização das instituições democráticas”

Crónica de Cristiano Luís Gaspar

Advogado-Estagiário


Nos últimos tempos, graças à relevância eleitoral assumida por novos partidos - sobretudo pelos que têm levado com o rótulo do populismo - voltaram a saltar para o panorama político as discussões relativas ao definhamento da democracia portuguesa. Não adianta entrar nelas sem considerar a dicotomia entre a mudança do regime e a mudança de regime, tomando ambas as perspetivas por assente o facto de que o regime precisa de ser mudado: evidência inegável quando olhados os níveis de participação cívica e política da população.


No caso da mudança de regime, não estando em causa nenhuma transição para um regime antidemocrático - já que apenas se pondera uma reforma constitucional - nunca se pode repudiar esta alternativa com base nesse engano. De forma mais racional, a mim constrange-me sobretudo a possibilidade de ver efetivar-se tal ambiciosa reforma olhando as leis e desconsiderando as pessoas, ao fechar a discussão numa renovada Constituinte; tal como me parece evidente que o problema do regime, mais que no nosso semipresidencialismo, reside em quem nos representa e em quem assume responsabilidades coletivas diversas na sociedade, numa partilha do dever de fazer a democracia funcionar melhor.


Surge como natural, portanto, que assuma a mudança do regime como reunida da minha preferência, já que se apresenta como uma mudança cuja responsabilidade está mais nas mãos das pessoas e da sua iniciativa privada, do que nas elites de poder. Nesta senda, já muito se discorreu sobre o problema do aparente desinteresse das populações pela discussão e decisão política, tanto que depressa, e bem, se já relacionou tal desinteresse com a desconfiança que os políticos nos têm merecido.


Não obstante, ainda que seja a ação política causa importante, há causas mais fáceis de corrigir do que os vícios dos homens, e igualmente merecedoras de atenção, porque perspetivam ações de mudança cuja efetivação está ao nosso alcance, como comunidade. Entre todas elas, parece-me razoável apontar como bandeira primeira a democratização no acesso à informação e à atualidade social e política, caminhando para a sua universalização, abrangendo diversas gerações e meios sociais.


Nos últimos anos, caracterizados por acentuadas subidas na abstenção, falharam as instituições políticas e media em adaptar a sua comunicação, em forma e conteúdo. Por um lado, à revolução tecnológica e, por outro, ao nível de literacia médio do cidadão português.


Não se adaptaram à revolução tecnológica, pois não conseguem fazer chegar aos cidadãos diversa informação e conteúdo importante, que não vão ser estes últimos nunca capazes de obter de outra forma: no caso concreto, e mais preocupante, das gerações mais jovens, temos os conteúdos certos distribuídos pelas plataformas erradas e temos os conteúdos errados distribuídos pelas plataformas certas. Numa lógica onde o problema não é o conteúdo mais errado que corre nos meios certos, mas sim o conteúdo importantíssimo que corre fora deles, é preocupante ver um político vir dirigir um apelo aos jovens em horário nobre na televisão, ou um jornal lançar uma reportagem a eles dirigida, no momento em que estão, não a ver televisão ou a ler um artigo num jornal, mas nas redes sociais ou a ouvir o seu youtuber ou podcaster preferido, em plataformas em que gastam dez vezes mais tempo por dia.


Paralelamente, falhámos, coletivamente, em adaptar-nos aos índices de alfabetização da população. Quando se está fora da bolha urbana, de certa forma elitista e burguesa, consegue olhar-se um Portugal constituído por pessoas simples, trabalhadoras mas pouco estudadas. Ora sofrem com as infindáveis discussões económico-financeiras sem tradução corrente, ora levam com notícias e opinion-making de excessiva intelectualidade, não destinado a ser absorvido pela generalidade da população, que fica desde logo excluída.


Por fim, importa ainda deixar um ponto de ordem. Enquanto se relacionar o problema do chamado “populismo” com a falta de “alfabetização” do eleitorado, apontando o dedo aos pobrezinhos, nunca se vai dar um passo em frente no combate a um eventual problema de fragilização das instituições democráticas. O conceito que deve ser debatido e discutido é o do cidadão informado e, lograr tal objetivo, implica uma responsabilidade partilhada de toda a comunidade ativa, se a isso estiver disposta, que tem redondamente falhado em providenciar, a todas as pessoas, o nível de informação que a cidadania plena exige.



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