De Luana Alves Farinha
A contagem terminou. E os números não mentem: no mesmo ano em que se celebram os cinquenta anos de Abril, cinquenta cadeiras na casa da Democracia serão ocupadas por deputados da direita radical.
Isso mesmo. Um deputado do Chega por cada ano de liberdade. Embora se assemelhe a uma piada de mau gosto, é um fenómeno a encarar com a devida seriedade.
Há quem diga que é cíclico; e bem sei que não somos caso único.
No panorama europeu, somos apenas mais um país onde a direita radical tem vindo a ganhar expressividade.
O primeiro instinto de quem preza uma democracia sã e séria é perguntar como pudemos nós chegar a este ponto; onde errámos e que esforços devemos adotar daqui para a frente.
Eu diria que é impossível apontar um fator que, sozinho, possa carregar a responsabilidade do crescimento de um partido com o ideário do Chega; nem adianta fazê-lo.
A vilanização do Chega e do seu eleitorado, por mais tentadora que pareça, não é o caminho a adotar.
No fim do dia, a ostracização daqueles que votaram no partido de André Ventura nada será senão um trunfo para o mesmo. Ignorar o eleitorado do Chega também não me parece ser a melhor estratégia.
Assim como não é possível ignorar cinquenta deputados, também não é possível ignorar um milhão de eleitores; nem é desejável que assim o seja.
O crescimento do Chega é uma falha na estrutura da nossa democracia. E qualquer democracia saudável, por mais debilitada que se encontre, deve procurar colmatar as suas falhas.
Qualquer pessoa que enfrente uma tentativa de marginalização terá tendência a procurar “refúgio” onde sabe ser aceite.
É preciso dialogar e acolher – acolher os medos, as dúvidas e as inseguranças. É preciso desmistificar, desconstruir, dialogar. É preciso dialogar.
Percebo e partilho alguma da relutância quanto à possibilidade e à eficácia do diálogo com o eleitorado do Chega. A associação do partido (e de alguns militantes) a organizações e personalidades de extrema-direita parece tornar qualquer entendimento impensável.
Se acredito que a sociedade portuguesa tem um milhão de eleitores racistas, misóginos, xenófobos, homofóbicos e transfóbicos? Não, não acredito.
Contudo, é certo que tem um milhão de eleitores a quem o preconceito em todas as formas previamente enunciadas não incomoda o suficiente para alterar o seu sentido de voto. E isso é um problema.
Mas não estamos em altura de hesitar. Estamos em altura de lutar; de forma pacífica, de forma séria, de forma inteligente.
Em tempos, confesso ter partilhado do entendimento de que um partido como o Chega deveria ser encarado com a hostilidade que o mesmo dirige a vários grupos da sociedade; com o ódio que dissemina e a repulsa que demonstra.
Hoje em dia, reconheço não ser a solução acertada.
Em bom rigor, de tudo se tentou; e talvez seja injusto afirmar que não se tentou o suficiente, no que ao cidadão comum diz respeito. E continuaremos a tentar; mas teremos de ser mais perspicazes.
É inútil tentar silenciá-los – é, aliás, um favor que lhes fazemos. Como qualquer partido da direita radical e populista, a sua bandeira é a incompreensão; e a vitimização a sua maior arma.
Proponho, assim, que abandonemos as conjeturas, as frases retiradas de Handmaids Tale e os cenários distópicos. Foquemo-nos naquilo que verdadeiramente interessa: saber como devemos atuar perante um Chega fortalecido e influente.
O esforço tem sido no sentido de silenciar o partido de André Ventura. Mas talvez tenhamos andado a fazer tudo errado. Elegeram-se cinquenta deputados? Ouçamo-los.
Almejam integrar um governo à direita? Talvez até fosse desejável que o fizessem. Uma maior responsabilidade implica uma maior visibilidade. Por sua vez, uma maior visibilidade surge acompanhada de um maior escrutínio. E com um maior escrutínio, o eleitorado do Chega será confrontado com a mediocridade, a podridão e a total incompetência do partido a quem confiou o seu voto.
No passado tentámos silenciá-los, em prol de um bem maior. Não resultou. Cresceram. Talvez seja hora de lhes dar a palavra.
No passado dia 10, o Chega alcançou o resultado mais alto até agora. Desconfio que seja também o mais alto que alguma vez alcançará. E tudo aquilo que há a fazer é, precisamente, dar-lhes o destaque que tanto almejavam.
Coletiva e inconscientemente, contribuímos para que ascendesse. A queda deve ficar por sua conta.
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