Hoje, 15 de maio, celebra-se o feriado municipal das Caldas da Rainha. Sempre disse em tom sonhador que voltava às Caldas, um dia, quando quisesse ter filhos: para os levar aos fins de semana à Praça da Fruta e comprar pevides e flores, para passearmos pela rua das montras ou brincarmos na areia da Foz do Arelho.
Crónica de Maria Leonor Carapuço
Licenciada em Ciências da Comunicação, NOVA-FCSH
Foram várias as vezes, inúmeras até, em que acordei na casa onde cresci, nas Caldas da Rainha, a um sábado de manhã solarengo para sair com a minha mãe em direção à Praça da Fruta. Aqui realiza-se o mercado todos os dias de manhã há já seiscentos anos. Os agricultores das aldeias à volta organizam-se em bancas alinhadas em filas que ocupam toda a praça e aí vendem os seus produtos. Na praça compram-se legumes e fruta, flores, pão, beijinhos e cavacas, artesanato e cestas. Passeando entre as bancas, encontram-se conhecidos e amigos, familiares, professores e colegas, todos a aproveitar também o seu fim-de-semana com a família e a fazer as suas compras ao ar livre.
Essas manhãs de sábado com a minha mãe nunca fugiam muito à rotina. Chegadas à praça, eu e a minha mãe comprávamos quase religiosamente três coisas: pão da Ramalhosa, pevides e gerberas, a flor preferida da minha mãe. Depois podíamos ir ao Café Central tomar o pequeno almoço ou passear no parque enquanto comíamos as pevides. O Café Central está localizado mesmo na Praça da Fruta e é dos mais antigos e famosos cafés da cidade: destaca-se sobretudo pelo enorme mural de Júlio Pomar, onde estão retratados unicórnios a dourado sobre um fundo azul petróleo. Antes do 25 de abril, dizia-me o meu avô que no Central costumavam-se reunir as pessoas do "contra", que eram contra o regime, e era comum passarem-se aqui tardes a jogar ao sete e meia.
Já o Parque D. Carlos I, umas ruas abaixo, é possivelmente o elemento mais emblemático da cidade. A romântica visão dos pavilhões abandonados espelhados no enorme lago de cisnes, patos e barcos a remos é um clássico retratado seguramente em todas as contas de Instagram de turistas que vêm à cidade. Para além de cafés, um parque infantil, um coreto e campos de ténis, o parque tem ainda o Museu José Malhoa - o primeiro edifício em Portugal a ser construído para fins museológicos, sobretudo conhecido pelo seu espólio de naturalismo português.
De facto, arte e museus não faltam na cidade: a história das Caldas é uma história rica em cultura, sendo o exemplo mais representativo e conhecido o da Fábrica Bordallo Pinheiro, localizada nas traseiras do parque. Não me vou alongar sobre o tema, porque haveria certamente muito mais para se dizer - deixo apenas a nota que Bordalo Pinheiro, o pai-criador do Zé Povinho e da Maria Paciência, era um caricaturista, jornalista e ceramista naturalista de Lisboa, cujo percurso passou pelas Caldas quando, cansado da vida de sátira política na capital, decide dedicar-se à cerâmica e investir as suas economias na antiga Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha.
Esta fábrica é outro ponto de atração turística e junto a ela fica a zona mais antiga da cidade. É aqui o berço das Caldas da Rainha - como o nome indica, uma cidade que se desenvolveu a partir das suas termas. Fundado em 1485 pela rainha D. Leonor, o Hospital Termal das Caldas da Rainha é o mais antigo do mundo. Segundo a história que nos contam nas escolas (com aquele toque de lenda fundacional exagerada), estava a rainha, esposa de D. João II, a caminho da Batalha, quando se depara com um grupo de pobres a banhar-se em águas fumegantes e fétidas. A rainha pede explicações sobre o que estão a fazer e é-lhe relatado que as águas têm poderes curativos. D. Leonor segue caminho mas decide tornar ao local (numa terra que hoje se chama Tornada) e experimentar ela própria banhar-se nas águas, dado que sofria de dores no corpo. Ao sentir-se milagrosamente melhor, declara que aí se erguerá um hospital termal para as pessoas poderem usufruir dos banhos decentemente.
Hoje, 15 de maio, celebra-se o feriado municipal das Caldas da Rainha. Sempre disse em tom sonhador que voltava às Caldas, um dia, quando quisesse ter filhos: para os levar aos fins de semana à Praça da Fruta e comprar pevides e flores, para passearmos pela rua das montras ou brincarmos na areia da Foz do Arelho. Podia referir mais mil aspetos das Caldas que a mim me fascinam - tanto o passado como o presente são ricos em histórias e acontecimentos. Podia contar, como os meus avós me contaram, da vez que o urso fugiu do circo e andou à solta pela cidade, ou do famoso 16 de março de 1974, quando por equívoco a Escola de Sargentos das Caldas tentou fazer o 25 de abril mais cedo. Também me podia perder a falar de como é uma cidade em ebulição artística e cultural constante, casa da faculdade de artes ESAD, de músicos como o Stereossauro e o Dj Ride e de tantos mais artistas e projetos que valia a pena mencionar. Sorte a minha, para o ano há-de chegar o 15 de maio outra vez para poder falar um pouco mais desta cidade que me é tão querida.
Comentários