Pouco interessará apontar qualquer um destes aspetos, ou qualquer um dos muitos outros exemplos de contradições que existem, porque não é pela coerência de ideias que as pessoas se juntam ao Chega.
Crónica Aspas Aspas de Vasco Maldonado Correia
Licenciatura em Comunicação Social, Universidade Católica de Lisboa
O mediatismo de André Ventura é recorrente e deixa uma boa parte da população portuguesa com espírito democrático incrédula. A sua subida nas sondagens – que a bem desta linha de pensamento, vamos pressupor que é verdadeira, não deixando de desconfiar de um partido que publica novas sondagens com subidas galopantes todas as semanas – mostra que a sua linha de apoio vai crescendo cada vez mais.
Ora, no meio de tudo isto, pergunto eu: o que significa, exatamente, pertencer à causa do Chega? Um argumento muito popular – e bastante razoável, diga-se de passagem – é o de que a popularidade de André Ventura significa o regresso da extrema-direita institucionalizada a Portugal. Embora isto seja verosímil, porque, de facto, as propostas do Chega enquadram-se mesmo nesse campo ideológico, não creio que o fenómeno do venturismo seja puramente ideológico. É o que gosto de chamar de “política sentimental”. Não são as ideias, é o sentimento. Não é conservadorismo, é a personificação da indignação.
Uma das ideias em que me suporto é a óbvia indiferença, que a base de adeptos do Chega tem, pelas constantes contradições que rodeiam a vida do partido. Pouco interessará apontar que o Chega propõe o regime de exclusividade de deputados, mas que o seu deputado acumula outros salários. Pouco interessará apontar que o Chega acusa o país de falta de transparência, mas que André Ventura tenha votado contra o fim dos Vistos Gold. Pouco interessará apontar que o Chega pinta Portugal como o maior antro de corrupção de que há memória, mas que André Ventura não tenha nunca sequer abordado qualquer um dos questionáveis negócios de Luís Filipe Vieira. Pouco interessará apontar que André Ventura se queixa de que o estão a tentar calar, mas que quando surgem vozes de oposição, como a de Ricardo Quaresma, o deputado do Chega tenha apelado ao seu silenciamento. Pouco interessará apontar que o Chega recuse qualquer associações a ideologias neo-nazis, mas que existem antigos membros da Nova Ordem Social, o movimento de Mário Machado, nos seus órgãos sociais. Pouco interessará apontar qualquer um destes aspetos, ou qualquer um dos muitos outros exemplos de contradições que existem, porque não é pela coerência de ideias que as pessoas se juntam ao Chega.
As pessoas juntam-se ao Chega, como já disse, pelo sentimento. O sentimento de que tudo neste país é uma vergonha, de que quem nos governa não nos representa, de que só com uma revolução é que as coisas podem mudar. É também por isso que muitas vozes da Direita democrática portuguesa partilham da ideia de que “André Ventura não é um tipo confiável, mas às vezes diz algumas verdades”. Sentem não ser ouvidos, que a sua mensagem não está a passar e querem partilhar, por isso, um pouco do sentimento reacionário. O Chega não é um partido de extrema-direita por isso mesmo. A dicotomia só se aplica a quem respeitar os valores da democracia e um partido que sugere confinamento específico para um determinado grupo social, por exemplo, não se encontra nesse lote, logicamente. O Chega é um partido reacionário que segue a tendência de “chutar o balde”, que tão bem caracteriza os movimentos populistas. Só por aí, o Chega pode ser perigoso: porque é um verdadeiro cata-vento, que dispara sempre contra a direção que a sua oposição seguir, por saber que haverá sempre alguém que fará de tudo para poder reclamar sem pensar duas vezes.
Porque no campo das ideias, como já foi visto, o Chega é um partido muito frágil. Tenho uma certa curiosidade, que espero que nunca venha a ser esclarecida, para saber o que faria o Chega à frente de um Governo. Será que um conjunto de bitaites sobre polícias, pedófilos e ciganos chegarão? Não creio. E também não creio, por isso, que se deva parar com a contestação ao venturismo. Não é por nos calarmos que o partido vai desaparecer. Se as propostas são indignas, então era o que faltava não nos indignarmos.
O Chega é um sentimento, e os sentimentos parasitas combatem-se com ideias coerentes.
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