Os jovens são invisíveis. A cultura é propaganda. O Interior do nosso país serve para bioresíduos. Às PMEs aconselha-se o desenrasque.
Crónica de Joana Garrido Amorim
Estudante de Economia da Faculdade de Economia do Porto
Todos sabemos o que é estar doente e ter de comer caldo de arroz ou peixe cozido com batata cozida, legumes cozidos e um ovo cozido.
Aquele prato singelo porque se está mal do estômago e não podemos ambicionar muito mais. Este é o Orçamento do Estado para 2021. Sem sal e com água destilada para a cozedura.
Referem-se a este Orçamento como sendo de esquerda. Acho que todos o esperávamos, até certo ponto. Seria pouco legítimo que, durante uma crise pandémica que afetou e continua a afetar milhares de famílias e trabalhadores, tivéssemos um orçamento com pouca incidência em apoios e benefícios sociais. Contudo, mesmo assim, faz pouco jus à menção.
O IRS, enquanto maior peso tributário no rendimento das famílias, não sofre alterações. São concedidos apoios suplementares a trabalhadores em situações instáveis e há reforço de pensões.
Martirizam-se os impostos do costume, os mais simples de manusear, como o IVA, o imposto sobre o tabaco, o imposto sobre produtos petrolíferos, o IMI, o IMT, os clássicos e os rotineiros.
Houve um fio de azeite que se pôs na cozedura. O IVAucher, que ao longo de um trimestre acumula o IVA do consumo em restauração, cultura ou alojamento. Acaba por ser complexo, pois só pode ser acumulado durante um trimestre até um máximo de 450€.
Os jovens são invisíveis
Com uma taxa de 25,6%, o desemprego jovem atinge valores semelhantes aos da crise financeira de 2008.
Em nenhuma página de um relatório de 324 se faz menção aos jovens, nomeadamente aos jovens recém-empregados, cujos rendimentos são mais baixos, pagam habitação e os custos associados ao começo de uma vida independente. São invisíveis.
A Cultura é propaganda
Fica bem e é favorável, face ao escândalo da ministra da cultura, que o governo se comporte de forma decente nesta matéria. Então, João Leão cria o IVAucher, 70% para a restauração, 20% para o alojamento e 10% para a cultura, mais uma vez a sair desvalorizada.
A previsão de financiamento para a Cultura em 2021 ronda os 38 milhões de euros. Dá-se nota que o financiamento para a Saúde será de 200 milhões de euros e o financiamento para o Novo Banco andará na ordem dos 500 milhões de euros.
O Interior do nosso país serve para bioresíduos
Com a pandemia, as desigualdades aumentaram. Menos fluxos de população e movimentações traduziram-se no encerramento de vários estabelecimentos comerciais.
A realidade do Interior do nosso país, de Chaves a Faro, é constituída por terras que vivem dos estabelecimentos comerciais, responsáveis por gerarem a maioria dos rendimentos das populações locais. Explora-se o OE e os incentivos indiretos que se encontram para potenciar o Interior assentam nas estratégias ambientais e no reforço de verbas para estas.
A estratégia é centralizada e pouco conhecedora, porque o Interior do nosso país não são florestas de Norte a Sul.
Às PMEs aconselha-se o desenrasque
Dificultam-se os despedimentos, não podem despedir até outubro de 2021, mas não recebem incentivos para pagarem salários. Com uma queda das exportações na ordem dos 39% no segundo trimestre de 2020, a maioria do tecido empresarial português viu uma quebra abrupta da procura na atividade da produção e comercialização.
Com o término das moratórias, que possibilitavam o adiamento do pagamento do crédito das empresas, a maioria das empresas nacionais, que são pequenas e médias empresas, têm agora de fazer face aos seus encargos na totalidade. A redução do consumo privado expressa-se significativamente.
Não há medidas de incentivo às empresas, e à semelhança dos impostos acima referidos, os clássicos e rotineiros, o IRC também aqui se poderia considerar.
Esta ausência face às empresas, conclui que este é um orçamento de esquerda?
Desminta-se aos que acham que em 2021 e 2022 vêm tempos de prosperidade. O PIB em 2020 cairá em 8,5%, em termos reais. A taxa de desemprego, no mês de setembro de 2020 atingiu os 36,1% e a dívida pública conheceu o maior aumento dos últimos anos em valores brutos.
Lembrem-se os alertas para a crise global que se avizinhava antes da Covid-19 e que a Comissão Europeia sistematicamente alertava. Em Portugal, alertavam-nos no aumento da dívida pública e nos aumentos dos salários e pensões.
O mal que aí viesse foi agora coberto pela COVID-19. É uma desculpa sólida e o governo desresponsabiliza-se.
Mostram-nos os números que queremos ver e vivemos baseados em constantes projeções de novos números e esquecemos as projeções que ficam para trás.
Memorizemos, ao menos, esta:
Estima-se que em 2021, o PIB recupere para os +5,4%. A projeção para 2020 é de -8,5%. Em 2018, ano exímio para o país, o PIB registou +2,2%.
Vislumbro uma utopia para 2021, a comunicação social apanha estes valores e João Leão torna-se omnisciente.
Estaremos cá para o ano. Memorizemos, ao menos, esta.
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