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Porque é que um Laico, Republicano e Democrata não defende a eutanásia

Não censuro alguém por querer decidir como quer que seja o seu fim, mas não pode ser Estado a contribuir ativamente, despenalizando a eutanásia, para que a vida acabe. A sentença não é só para a pessoa, mas sim para a Sociedade.

Crónica de Lourenço Paour

Estudante de Direito, UCP


Hoje, trago uma reflexão sobre a eutanásia e as suas consequências que, em circunstâncias normais, estariam a marcar o espaço mediático até à promulgação ou veto do diploma final da Assembleia da República. Não posso, antes de passar à exposição pensamento, deixar de notar que parece quase inapropriado a aprovação de uma legislação sobre esta matéria numa altura em que vemos 150 mortes diárias por infeção de covid-19, sem que se tenha debatido se alguns pacientes possam entrar no escopo da previsão da legal. No entanto, o bom senso continua a imperar e a votação da Lei foi adiada até que as circunstâncias permitam uma retoma sadia ao tema.


Olhando para trás, até à aprovação dos cinco projetos de lei que visam a despenalização da eutanásia, é-me evidente que, apesar dos anos que a sociedade civil portuguesa passou a discutir o tema de forma científica, legal, moral, ética e teológica, vemos o debate final ainda reduzido a uma luta entre claques de crentes, não crentes, conservadores e progressistas.


É preciso esclarecer o leitor que me considero uma pessoa progressista, consciente de que a História não acabou e que este tema é precisamente a prova de que o Homem vai continuar a questionar sempre aquilo que parece já garantido. Tendo isto em conta, o que penso estar em causa é o valor que se dá à Vida Humana enquanto base da nossa sociedade, sendo este o verdadeiro fundamento axiológico de todos os outros princípios e normas.


Depois da Revolução Francesa até hoje, passámos um longo processo para chegarmos aos Direitos Liberdades e Garantias que temos. O primeiro e mais básico princípio deste novo Estado de Direito é o “não matarás”, tudo o resto são repercussões deste que, no fundo, é o Direito à Vida absoluto e inviolável, que se consolida na obrigação do Estado e friso, laico, de o garantir sobre todas as condições e circunstâncias.


Despenalizar a Eutanásia significa, por esta razão, pôr em causa todos os restantes princípios que temos como garantidos, uma vez que se assume, no plano legislativo, que o Estado, protetor da Vida Humana, pode não ter a obrigação de a proteger a todo o custo. Por consequência lógica, incumpre-se a cláusula mais importante do Contrato Social que deu origem à sociedade que hoje temos.


Não faz sentido ser relativista ao ponto de se afirmar que não há Direitos absolutos e continuar a esperar que não seja posta em causa a restante base do Contrato Social. Aliás, uma alteração destas significaria a resolução do contrato e a solução seria fazer um novo e confesso que, quando penso nessa possibilidade só me consigo lembrar em mais um passo para uma sociedade cujo pragmatismo impera para a coexistência de todos nós, tal como no livro “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley.


O mundo está em constante evolução, mas não necessariamente sobre as matrizes do nosso contrato social. Olhemos para as recentes descobertas no campo da manipulação genética, relativas ao desenvolvimento de um método de edição do genoma, o CRISPR/Cas9, em que conseguimos descobrir curas para doenças degenerativas ao poder ler e colmatar as falhas no código genético para que os doentes recuperem e se tornem saudáveis.


Existem também instrumentos legais que ditam que os pacientes podem optar pela forma como querem ser tratados até a sua morte, tal como o consentimento informado, no qual se permite que o paciente tenha uma palavra sobre o seu tratamento, mesmo que a escolha seja não o ter. Além deste, também se contam outras práticas que, questionáveis ou não, servem para atenuar sofrimento no fim da vida do paciente, como a sedação paliativa, que não serve para antecipar a morte do mesmo.


É difícil ter-se uma posição limitadora de liberdades que parecem básicas, individuais e fundamentais. Não censuro alguém por querer decidir como quer que seja o seu fim, mas não pode ser Estado a contribuir ativamente, despenalizando a eutanásia, para que a vida acabe. A sentença não é só para a pessoa, mas sim para a Sociedade.

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