Bem aqui ao lado, na região de Castela e Leão, acaba de ser aprovado o primeiro governo regional espanhol que incorpora o Vox, partido de extrema-direita conotado com ideais conservadores, nacionalistas e anti-imigração.
de Diogo Nascimento da Silva
Nas eleições regionais de fevereiro, o partido cresceu 12 pontos percentuais, tornando-se um obstáculo difícil de contornar para a principal força da direita tradicional, o PP.
Não deixa de ser irónico que este último tenha convocado o referido ato eleitoral com o ambicioso objetivo de alcançar uma maioria absoluta, coisa que nunca se materializou. A jogada de risco do PP regional converteu-se numa vitória pírrica que viria a culminar com a tomada de posse da nova e inédita coligação. Já o seu anterior parceiro de coligação, o Ciudadanos, foi reduzido à insignificância e efetivamente substituído pelo Vox. O novo vice-presidente regional, Juan García-Gallardo, apressou-se a enaltecer as possibilidades da recém-formada coligação, dando o mote para futuros acordos em outras regiões e sinalizando uma mensagem política clara.
A ideologia do Vox pode ser considerada como uma amálgama de correntes conservadoras tradicionais e ressurgentes ideias nacionalistas, tais como: oposição ao aborto e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo; tendências centralizadoras, por oposição aos movimentos autonómicos e separatistas; forte oposição à imigração e à “ideologia de género” e uma postura de revisionismo histórico relativamente ao período franquista. Assim, os saudosistas deste último regime encontram no Vox um novo meio para expressar as suas preferências eleitorais, sendo que o partido alcançou o seu melhor resultado nacional nas eleições de 2019, elegendo 52 deputados e tornando-se a terceira força política.
Se é verdade que já existia um apoio tático do Vox ao PP em vários parlamentos regionais, a integração da extrema-direita neste governo regional representa um passo significativo na normalização e na abertura do espaço político ao partido de Abascal, que aproveitou o tempo de antena para congratular Marine Le Pen pelo seu resultado nas eleições francesas, realçando mais uma vez a escolha entre soberania nacional e globalismo progressista. Aqui, a nuance é evidente.
O aparecimento e crescimento desta força política radical veio aumentar o grau de polarização na política espanhola, onde o PP se viu constantemente pressionado por este novo partido, um fator potenciado no eleitorado, descontente pela governação de uma coligação à esquerda. Pergunto-me: onde é que já vimos este filme?
Alargando o plano, o discurso político no panorama nacional tem sido crispado, com uma troca de recados entre os dois maiores partidos, que apontam baterias um ao outro, na esperança de obter o máximo de votos possível dentro do seu campo ideológico, em vez de cooperarem. Esta amarga luta pelo poder tem vindo a gerar ressentimento e hostilidade de parte a parte, terreno fértil para a expansão de um certo partido nacionalista, que mobiliza eleitorado descontente.
Enquanto se abre um fosso entre as alas moderadas e radicais do PP, o PSOE aproveita o desnorte do principal partido da oposição para acusar o novo líder, Feijóo, de comprometer os seus ideais para governar em Castela e Leão com o Vox. Em todo o caso, duas coisas parecem certas: a discussão sobre o Vox promete estar na ordem do dia no ato eleitoral que se segue, em 2023, e o novo líder da oposição vai enfrentar inúmeras questões sobre o acordo regional que abençoou.
Santiago Abascal, um desertor do principal partido da direita espanhola, conseguiu que o seu partido se tornasse na terceira força política, ameaçando um espaço que historicamente pertenceu ao PP. Depois de anos em que discursos inflamados condicionaram a retórica de vermelhos e azuis em seu redor, conseguiu nova vitória, ao integrar um governo regional.
Este fenómeno não é de agora, porém, os paralelos são tão evidentes que dão que pensar sobre o que se seguirá por estas bandas. Afinal, segundo Ventura, a aliança entre as extremas-direitas ibéricas é “inquebrável”.
Do outro lado da fronteira, a caixa de Pandora está aberta. A nós, resta-nos esperar que a anexação de Portugal se fique pelo século XVI.
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