de Francisco Lemos Araújo e Francisco Madail Herdeiro
Na disciplina milenar da matemática existe um axioma que diz que “O todo é composto pela soma das partes”, pelo que no seu corolário está implícito que o valor da soma das partes nunca pode ser maior que o valor do todo composto por essas partes.
Este axioma pode ser aplicado, por exemplo, no cálculo do valor de uma habitação.
Se estivermos a falar de arrendar um T1 (um quarto, uma sala, uma casa de banho e uma cozinha) por um valor de total de 950 € por mês, o valor do arrendamento de cada uma das partes nunca poderia ser superior ao valor do arrendamento total da habitação. Ou seja, se pagarmos o quarto, a sala, a casa de banho e a cozinha separadamente, o valor total da nossa despesa nunca poderia ser mais de 950 €.
Então, por que razão é possível encontrar apartamentos T3 por 1.400 €, mas ao mesmo tempo vermos três quartos a arrendar por 650 € individualmente nesse mesmo T3, totalizando assim 1.950 €? O que explica isto?
Estas são contas que podem ser feitas em vários países do mundo, Portugal incluído. Se voarmos até à “capital da União Europeia”, talvez os nossos expats em Bruxelas nos consigam responder a esta questão; ou talvez não.
Numa cidade cujo sangue vivo das instituições europeias lá instaladas pulsa fortemente à custa de uma boa quota de estagiários mal pagos, que futuro está reservado ao coração da Europa quando uma fatia generosa da sua mão-de-obra não conseguir sequer residir na cidade em que trabalha, tal é a forma como parco dinheiro que recebem pelos seus postos de trabalho se lhes esfuma da conta sob a forma de renda?
Apesar de ainda ser mais barato arrendar uma parte de uma unidade habitacional do que arrendá-la por inteiro, ambas estão rapidamente a tornar-se inalcançáveis para quem ali procura um futuro.
As poucas opções que existem a valores razoáveis surgem através de vias indiretas, de amigos de amigos ou de conhecidos que, por sorte, conhecem alguém que vai sair de um quarto e até estão à procura de um substituto.
Já aquelas que vemos em anúncios, tanto de imobiliárias como em grupos de Facebook (sim, parece que as gerações mais novas ainda se veem obrigadas a usar o Facebook), são altamente absurdas, quer pelo preço exigido, quer pelas condições que anunciam.
O que torna todo o processo altamente perturbador é perceber que aquelas vagas, por muito caras ou más que sejam, são rapidamente ocupadas tal é o medo de não ter sítio onde dormir, já que há sempre alguém à procura também. E é nessa certeza, baseada na incerteza e desespero de outros, que muitos senhorios vivem.
Assim, a gestão financeira de alguém que procura, num país estrangeiro, iniciar uma carreira única de entrega ao serviço público transforma-se num verdadeiro exercício de contorcionismo para suportar todas as despesas de quem não só precisa de sobreviver, mas também de viver de modo a colmatar a dureza de estar longe de casa.
O que diz tudo isto das condições em que os jovens europeus se procuram emancipar? Que sinal é este que quem defende querer dar uma vida digna aos seus jovens dá? E estaremos nós assim tão impotentes para reclamar a distribuição da riqueza que nos pertence e que queremos ajudar a produzir? Queremos ficar conhecidos como a geração mais qualificada de sempre que ainda não saiu debaixo da casa dos pais?
A caminho de umas eleições autárquicas na Bélgica, e com tantos jovens portugueses por lá a procurar futuro, as condições destes nossos expats merece ser discutida com seriedade.
Isto porque não nos faz sentido que a porta de entrada de muitos jovens seja um estágio, seguido de contratos temporários, que não lhes permite descolar de uma vida a contar todos os cêntimos que gastam nem fazer planos a médio prazo.
Mal por mal, ficavam por cá, onde ainda temos sol, mar e boa comida a preços justos se soubermos onde procurar (e é preciso saber procurá-los cada vez melhor).
Trocar a precariedade ao sol pela precariedade à chuva é a questão que tem de ser colocada por quem procura sair deste cantinho à beira-mar plantado para se aventurar noutros cantinhos.
Porque apesar do sol não ajudar a pagar rendas, a matemática também ainda não descobriu forma de colocar a chuva a transferir dinheiro aos senhorios.
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