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Quando as nossas escolhas são mais dos outros do que nossas

Atualizado: 21 de abr. de 2022

O problema da escolha acompanha-nos em todos os domínios da nossa vida e seria realmente mais saudável se tivéssemos um contexto envolvente diferente e melhores ferramentas que nos permitissem tomar decisões e fazer escolhas o mais livres possível.

de Rita Varela



Quando escolhemos isto ao invés daquilo gostamos de acreditar que estamos na posse de todas as informações e prós e contras, que a decisão que estamos a tomar é a mais adequada e a que melhor nos representa. Costumo ouvir indiscriminadamente que as nossas escolhas refletem quem somos e, portanto, dizem tudo sobre nós. Tendo a discordar.


A possibilidade de escolha, bem como a panóplia de opções disponíveis para tal, são também elas uma questão de privilégio. Tudo o que nos rodeia influencia diretamente as decisões que tomamos e, em muitos casos, é esse mesmo contexto que determina as nossas escolhas, e não nós.

No que concerne ao comportamento do consumidor quando opta por comprar um produto em vez de outro, conseguimos facilmente compreender que somos irrefutavelmente condicionados por estratégias selváticas de marketing que nos levam a despender dinheiro em algo de que não precisamos. Na economia estuda-se precisamente isso – a forma como se pode estimular um indivíduo a desenvolver necessidades que, na realidade, não tem. O que não nos explicam muitas vezes é de que forma esses estímulos resultam na sobre-exploração de recursos e, consequentemente, em níveis de desperdício totalmente insustentáveis para o meio ambiente.


Por outro lado, a influência alheia sobre as nossas escolhas noutros aspetos da nossa vida é bem mais complexa. A título de exemplo, olhando para a sociedade ocidental, a visão de grande parte da população relativamente a questões históricas, políticas, socioeconómicas ou culturais e a decisão de escolher defender uma determinada narrativa no contexto destes domínios é muitas vezes resultado do viés ocidental e da perspetiva dominante em que assenta a sociedade na qual vivemos. Exemplificando: o nosso posicionamento face a questões como direitos humanos, desenvolvimento civilizacional, valores morais, religião, sistema económico ou modos de vida espelham os padrões ocidentais que nos impingiram acriticamente nas escolas, nas universidades e em todos os espaços que procuram manter o status quo. Vejamos os casos do casamento e da ideia de relação. Grande parte das pessoas defenderá a monogamia como certa e a poligamia como errada, torcendo o nariz a relações abertas. Porém, se a maioria opta por defender esta posição é pura e simplesmente porque a panóplia de opções que lhe foi dada no que concerne a esta questão foi inexistente ou, se não foi, sofreu grande enviesamento.


Este é também um bom exemplo para mostrar como a pressão social influencia fortemente as nossas escolhas. Na economia, dá-se pelo nome de custo de oportunidade o valor ou benefícios associados à alternativa a que se renunciou quando se optou por outra coisa em vez dessa. Antecipadamente, peço desculpa pela minha explicação precária do conceito.


No entanto, o que pretendo demonstrar é a ideia de que, muitas vezes, devido a críticas ou comentários por parte de alguém, a preconceitos alheios ou a possíveis expectativas de outrem defraudadas, assumimos que evitar esse escrutínio da sociedade justifica o custo de oportunidade associado, ou seja, a renúncia a estar mais feliz e satisfeito.

De facto, quantas pessoas escolhem (socialmente coagidas) ter uma relação monogâmica, casar, ter filhos, tirar um determinado curso, usar uma determinada roupa, apenas porque seriam marginalizadas ou olhadas de lado se não o fizessem? As escolhas que fazemos mudariam substancialmente caso a pressão e as expectativas da sociedade que recaem sobre nós quando tomamos decisões acerca da forma como escolhemos viver e expressar-nos não fizessem parte da equação.


Não querendo tornar o texto excessivamente pessoal, sinto que as redes sociais são um dos espaços que mais influenciam as minhas escolhas. Embora tenha essa consciência, é muitas vezes difícil evitar essa toxicidade. Ver os outros a agir dentro de padrões que a sociedade espera que sigamos pode causar-nos frustrações e problemas psicológicos difíceis de contornar. Somos bombardeados por ideias de beleza, imagem corporal, conteúdos relacionados com ser produtivo, com o estar constantemente a fazer algo, a ser feliz e positivo. Mesmo que não seja essa a realidade de quem partilha, é essa a informação que consumimos e à qual esperamos corresponder. Acabamos então por fazer escolhas que não espelham o que queremos, mas antes espelham aquilo que (achamos que) os outros esperam de nós.


Mudar tudo isso requer ferramentas diferentes. Lutar contra o patriarcado e a sua visão de género e identidade, lutar contra a narrativa ocidental dominante e a ideia de que a democracia liberal é justa, lutar contra o sistema económico vigente, que acentua as desigualdades sociais a olhos vistos, trazer uma reforma ao ensino, introduzindo novas perspetivas críticas e áreas cívicas fulcrais à formação do indivíduo, desconectadas de quaisquer enviesamentos, democratizar o ensino superior, que passa indiscutivelmente pela implementação da propina zero, aumentar os apoios à cultura e a oferta cultural pública e redistribuir os rendimentos de forma justa, porque a livre escolha requer opções e quem tenha que ter dois empregos diferentes para poder alimentar os filhos e pagar uma renda ao final do mês, não as tem. Não tem a opção de pagar propinas ou o custo de vida de um estudante deslocado, não tem a opção de despender recursos em cultura, seja monetariamente ou em termos de tempo, não tem a opção de escolher uma alimentação mais saudável ou sustentável, entre tantas opções que não tem à sua disposição.


Há quem diga que tudo isto é utópico, que não podemos fugir às normas sociais que nos envolvem ou chegar a um ponto em que todos temos acesso a tudo de igual forma. Contudo, resistir e lutar são caminho e acredito profundamente que as lutas que mencionei nos poderão levar a chegar mais perto do ideal, para que possamos fazer escolhas mais livres, seja em relação aos nossos corpos, aos nossos modos de vida e relações ou até a poder aspirar a mais do que a mera sobrevivência do dia-a-dia.

Afinal, escolher em liberdade requer emanciparmo-nos totalmente do que nos oprime e subjuga.


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