O país que se prepara para celebrar 50 anos de liberdade vai chorar que mais de 100 mil alunos não tenham professores nos próximos anos. Em tempos de guerra, inflação, estagnação económica e, claro, Covid, o mantra de Sérgio Godinho continua atual para mantermos as prioridades no sítio.
de Nuno Can
A Paz, o Pão, a Saúde, a Habitação são todos importantes. Porém, seria igualmente crucial não nos esquecermos do último elemento da enumeração: a Educação. Porque não haverá Liberdade a sério enquanto não pertencer ao povo a escola que o povo merecer. Que me perdoe o artista pela alteração, ao mesmo tempo menos poética e menos pragmática.
Sobre a Paz, Portugal parece poder fazer pouco. O Pão e a Habitação ainda vão havendo, pelo menos para quem já os costumava ter, contudo, estão mais caros por causa da inflação. A Saúde tenta recuperar-se depois do embate da pandemia. E a Educação? Ninguém sabe bem o que é feito dela.
1. Temos que agradecer à democracia os avanços que fizemos, mas antes da pandemia ainda éramos um dos países da Europa mais atrasados ao nível das qualificações.
Este é um dos casos em que mais vale que a culpa morra solteira. Precisamos de ocupar o debate com o futuro. Desde o Marquês de Pombal ao Estado Novo, Portugal tem uma história de falta de investimento na Educação. É à democracia que temos de agradecer o caminho que percorremos, no entanto, é pela democracia que não nos podemos contentar sem ir mais longe.
Percentagem da população ativa sem o ensino secundário (dados EUROSTAT)
Por causa de vários atrasos históricos, Portugal é o país da Europa com a maior percentagem da população ativa (entre os 15 e os 64 anos) que não completou o ensino secundário. As políticas direcionadas para o mercado de trabalho e para a proteção social são muito relevantes no curto prazo, mas a única forma efetiva e sustentável de construir um país com mais progresso será investir nas gerações futuras.
2. A geração portuguesa mais qualificada de sempre não chega para competir com países estruturalmente mais qualificados. A Educação é o mais forte escudo da democracia, da igualdade, do progresso económico e da liberdade.
Nas aldeias dos nossos avós, de um Portugal cinzento e atrasado da ditadura, o mercado de trabalho reduzia-se a cada aldeia, talvez a cada distrito se houvesse vontade ou necessidade de sair da terra onde se tinha nascido. Num país que vivia sobretudo do que a terra dava, a escola fazia pouca diferença. O país estava construído para que a escola fizesse pouca diferença.
Hoje, no frequente discurso sobre a "geração mais qualificada de sempre", esquecemo-nos que pertencemos a uma economia globalizada, onde os trabalhadores, sobretudo os mais jovens, competem no mercado de trabalho com os seus pares europeus, americanos, chineses, indianos e todos os que houver. A economia portuguesa compete ao nível global na atração de negócios de alto valor acrescentado que possam aumentar rendimentos, contribuir para o Estado Social e para a qualidade de vida da nossa população.
Não investir nos futuros de trabalhadores da Educação de uma forma que lhes permita elevar os seus rendimentos é caminhar para as sombras. É também isto que tem conduzido a uma nova vaga de iliberalismos no mundo desenvolvido.
A deterioração da qualidade de vida dos trabalhadores só parará com uma de duas estratégias: pararmos as trocas globais com todas as consequências sociais e políticas que isso tiver, ou prepararmos os trabalhadores para, através do trabalho, poderem acrescentar mais valor à economia e viverem melhor. A primeira tem-se dado melhor do que a segunda em tempo de eleições: que o digam Trump e os crescentes messias europeus que prometem salvar os trabalhadores.
Percentagem de jovens entre os 25 e os 34 anos sem o ensino secundário (dados EUROSTAT)
Os avanços da democracia são notáveis. No entanto, mesmo quando olhamos para os jovens entre os 25 e os 34 anos, continuamos a ser um dos países da Europa com a maior percentagem de jovens sem o Ensino Secundário. E éramos nós que mais precisávamos de compensar no presente, os atrasos do passado.
Investimento em Investigação e Desenvolvimento (em % do PIB, por investigador e per capita)
Seria de esperar que um país oprimido pelo poder político que durante tantos anos impediu o seu povo de se educar, investisse agora muito mais em Educação e em Ciência. Infelizmente, não é isso que acontece. Apesar do nosso PIB não ser extraordinariamente elevado, não somos um país que invista uma percentagem particularmente alta em Ciência. Uma percentagem baixa de um PIB médio, traduz-se num investimento per capita reduzido quando comparamos com os restantes países da Europa, especialmente se excluirmos os países do antigo bloco de leste. O investimento por investigador é um dos mais baixos da Europa, tornando muito difícil reter talento nacional nas Universidades e captar talento estrangeiro.
3. A Educação tornou-se um tema pouco relevante no debate político e muito relevante para aqueles que a podem pagar. A Escola pública não tem quem a defenda.
Está estudado que níveis mais baixos de escolaridade estão relacionados com menores níveis de capacidade de influenciar políticas públicas. Alguém que, como eu, veio da escola pública, sobretudo em regiões menos centrais, sabe o ambiente de desolação e impotência que, por vezes, assola as escolas. Quanto mais pobre e periférica a região, menos responsiva é a resposta do Estado perante as falhas na Educação.
Distribuição do Investimento Público em Educação (dados EUROSTAT)
Uma forma de perceber essa baixa prestação de contas aos cidadãos de zonas consideradas mais periféricas é olhar para a estrutura de financiamento da Educação, uma das mais centralizadas de toda a Europa (dados EUROSTAT). Isto diminui a capacidade de o Estado responder aos problemas específicos de cada região, atrofia a capacidade de se construir respostas diversas ao longo do país e encolhe o papel dos cidadãos, professores e famílias no processo de decisão sobre o tema, diminuindo o debate no espaço público.
Nas últimas duas eleições legislativas (2019 e 2022), o tema da Educação não só não marcou o debate, como raras vezes foi tema. E não foi por falta do que falar, prova disso é o aumento crescente da percentagem de famílias a recorrerem ao ensino privado.
Investimento Público em Educação em Portugal (dados PORDATA)
O investimento em Educação, que subiu desde o 25 de abril de 1974 até 2010, desceu depois disso e tem-se mantido no mesmo nível desde então. Portugal investe menos hoje do que antes da crise financeira (dados PORDATA). Uma das razões poderia ser a redução do número de alunos e jovens, mas essa seria uma razão válida num país sem o atraso histórico de Portugal, no nosso país parece uma razão improvável.
Aqueles com maior capacidade de influenciar as políticas de educação são também os que podem pagar explicações, atividades extracurriculares ou o ensino privado e, por isso, desistiram da escola pública. Nela, vão ficando aqueles que têm a sorte (que se trata cada vez mais de um jogo de sorte e azar) de viver perto de uma boa escola pública ou aqueles que não podem pagar o ensino privado.
Se se colocar a questão: "Hoje a escola pública é pior do que há 10 anos?", será muito difícil responder. É possível que a resposta até seja “Não”. Mas num mundo em que a importância da Educação aumentou tanto, as famílias com mais possibilidades têm decidido aumentar a despesa em Educação. Se o Estado não as acompanhar, estaremos a caminhar para uma desigualdade crescente.
Alunos com pais licenciados vs. Alunos sem pais licenciados (EDULOG)
A falta de recursos afeta sobretudo os mais vulneráveis, e 50 anos depois, ainda temos baixos índices de mobilidade social, ou seja, as nossas condições de vida dependem em grande parte das condições de vida dos nossos pais. Na educação isto reflete-se numa sub-representação dos alunos cujos pais não têm o ensino superior. Estes alunos representam 78% dos alunos em idade de ingressar o Ensino Superior, mas são apenas 61% os que ingressam no Ensino Superior e geralmente com grandes desigualdades no que toca aos cursos e ao tipo de ensino. Por exemplo, nos cursos de Medicina, representam apenas 27% dos estudantes. Como é provável que os cursos e as instituições façam a diferença no rendimento destes futuros trabalhadores, a desigualdade aumentará, mais uma vez.
4. A pandemia ameaça encaminhar os alunos mais pobres para a precariedade futura. Agora, soma-se o desafio dos professores.
Durante a pandemia, as desigualdades vieram ao de cima. Foi também durante esse período que muitos se aperceberam da importância da escola na redução dessas desigualdades. Esperava-se que, depois de um período que prejudicou sobretudo as crianças mais vulneráveis, o pacote para recuperar as desigualdades fosse grande. Em vez disso, tivemos o anúncio de um pacote de recuperação reduzido e sobretudo dedicado às condições físicas das escolas.
Agora, os dados de um estudo do Centro de Economia da Educação da Nova SBE revelam que cerca de 39% dos docentes em atividade se irão reformar até 2030. Somos um dos países da Europa com maior percentagem de docentes acima dos 55 anos e somos o país da Europa com menor percentagem de docentes jovens, menos de 2% face à média de 9% da União Europeia (dados do EUROSTAT). Em breve, cerca de 250 mil alunos terão pelo menos um professor em falta. Os estudantes adoram um "furo" no horário, mas qual será o custo disso para cada um deles e para o país? É de esperar que esses furos se transformem gradualmente num fosso quando no futuro compararmos os jovens portugueses aos seus pares europeus, ou quando compararmos os alunos da escola pública com os restantes.
5. Fomos capazes de construir a democracia, seremos capazes de construir a escola que a sustente.
O 25 de abril fez-se para muitas coisas. Fez-se para podermos ir para a escola e a nossa geração deve estar grata por isso. Todavia, o 25 de abril também se fez para reconhecermos quando o Estado falha, e tem falhado muito com as crianças e as futuras gerações. 48 anos depois, é hora de todos assumirmos a nossa responsabilidade com o futuro.
É hora da nossa geração se mobilizar ao nível local, é hora da academia se responsabilizar mais pela produção de dados e estudos sobre Educação, é hora de os professores lutarem pelos seus direitos, mas sobretudo pelos direitos dos seus alunos. É hora daqueles que podem estudar no ensino privado se lembrarem de votar para que os impostos que já pagam possam ir para as escolas. É hora dos alunos e pais também fazerem greve, quando faltar a Professora de Matemática. É hora.
"Não nos obriguem a ir para a rua gritar."
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