Findos os debates, quase acabada a campanha e lidos, ou não, os programas eleitorais, lá vamos nós para mais umas eleições legislativas, que espero serem mais participadas do que o costume.
de Rita Varela
Durante o período dos debates, surgiu uma iniciativa muito interessante por parte de algumas páginas no Instagram, lançando sondagens cujo intuito era perguntar aos espectadores quem eles achavam ter vencido os frente a frente de cada noite e porquê. Ora, a internet tem destas coisas: dá palco a pessoas que, na possibilidade de mandarem umas quantas postas de pescada sob anonimato, lá vão puxando dos seus mais variados diplomas – direito, finanças, economia, etc... digitando o comentário melhor infundado que têm na ponta dos dedos (atenção, bem sei que também os há, e muitos, fundamentados).
Em inúmeras dessas sondagens, lembro-me de ler várias vezes congratulações à extrema-direita, críticas ao grande “bicho papão” que é o Estado e ainda opiniões a assegurar que o candidato X não percebia nada de economia e que tinha sido arrasado pelo candidato Y. Pelo candidato que consideravam ter arrasado o opositor, foi-me fácil perceber a análise que fizeram e a que vertente da economia se referiam.
Pois bem, não sendo eu a pessoa mais conhecedora de termos económicos – e venha já aqui algum comparsa de secção desmentir-me se for caso disso - tenho presente o ensinamento de que desenvolvimento e crescimento económico são coisas bastante diferentes.
Crescimento económico diz respeito a um aumento quantitativo da produção, ou seja, a um incremento da quantidade de bens e serviços que são produzidos e transacionados por uma determinada economia. Repercute-se no enriquecimento abstrato de uma nação, porém, sem os conceitos de preocupação de redistribuição e melhoria das condições de vida da sociedade associados. Complementarmente, além de pressupor esse mesmo crescimento, o desenvolvimento económico orienta-se no sentido da melhoria da qualidade de vida das pessoas, da criação de uma sociedade mais justa, através de uma análise pluridimensional que visa diminuir desigualdades por meio da implementação de políticas sociais ou redistributivas.
Sendo assim, o que separa um conceito do outro são nada mais nada menos do que noções como justiça, sustentabilidade, prosperidade e humanidade. O crescimento económico do laissez faire, laissez passer (deixai fazer, deixai passar), que muitos querem vender como sendo a solução para o país, nada mais é que um nome pomposo para um crescimento desmedido, sem regulação, do salve-se quem puder e, evidentemente, quem pode são os ricos. Sem políticas de desenvolvimento que suportem e regulem o crescimento económico e que determinem até que ponto ele é sustentável, sem um Estado Social fortalecido e interventivo, não chegamos a bom porto.
Voltando à questão, percebi através destas sondagens que o que interessa a muita gente é apenas o crescimento económico e não o desenvolvimento. Então, botam o likezinho, e provavelmente a cruzinha no dia 30, nos perpetradores do (neo)liberalismo.
O objetivo que se deve aspirar alcançar não é o do crescimento económico, mas antes o do desenvolvimento. De que nos serve um país “rico”, atulhado em empresas de topo, com websummits em cada esquina, se essas empresas pagarem ordenados mínimos (ou se calhar nem isso, porque há quem queira acabar com eles) e se esses websummits forem instalados por cidadãos explorad… desculpem, voluntários…?
De que nos serve um país e uma economia que esgotam a sua riqueza nos bolsos de uma minoria, enquanto a população em geral vive em condições precárias, sem um Estado forte e capaz de fazer o que deve fazer, que é redistribuir a riqueza e garantir a igualdade no acesso a serviços essenciais como a saúde, a educação, a cultura, os transportes…? – e não, isto não são questões puramente ideológicas.
Em muitos sítios vou ouvindo a narrativa de que o importante é providenciar esses serviços independentemente do setor que quisermos escolher: “público, privado ou social”. A palavra de ordem, ou melhor dizendo, a sigla de ordem, é PPP. Ora, o Estado deve investir nos seus serviços, que estão ao dispor da população, e não naqueles que vão à boleia dos lucros. Parcerias público-privadas significam dar dinheiro dos bolsos do Estado às empresas que transformam serviços essenciais em negócio e deixá-las geri-lo discricionariamente. A bem dizer, significa usar os nossos impostos para pagar os lucros dos acionistas, donos, CEO’s dessas empresas. O dinheiro do Estado, que seja devidamente investido nas estruturas do Estado, funciona como uma espécie de economia circular, mantendo-se na esfera pública. Ao contrário, aquele que é canalizado em PPP’s, perde-se para outros negócios, para outros bolsos, provavelmente para fora do país e, parte dele, para paraísos fiscais.
Para mim, e para bem do país, espero que para mais gente, defender políticas (neo)liberais – como privatizar tudo o que mexe ou entronar PPP’s, acabar com impostos progressivos, flexibilizar ao máximo os contratos laborais, acabar com o ordenado mínimo, diminuir gastos na saúde, educação, cultura – não é perceber de economia, nem arrasar o candidato que quer garantir que em Portugal não se aplica a lei do mais rico.
Perceber de economia é ser capaz de avaliar onde é necessário taxar e onde é necessário gastar, de forma que quem tenha mais poder, que infelizmente é quem mais dinheiro tem, não possa agir nem tomar decisões que condenem um país inteiro à precariedade.
Despender recursos na educação pública, no SNS, nos transportes públicos, na cultura, até na providência de habitação e alimentação para quem não tem meios financeiros, não é despesa, é investimento. Estado Social é investimento nas pessoas, nas gerações, na igualdade e na democracia. Taxar grandes empresas, cobrar impostos, estabelecer a obrigatoriedade de contratos e de um ordenado mínimo são tudo questões de justiça social e, acima de tudo, indicadores de uma economia saudável e orientada para o desenvolvimento.
Depois de uma leitura tão extensa, é quase dia de reflexão…! Então reflitam, reflitam bem e votem em consciência, mas votem, que já dizia um bom post de Instagram: “O sofá não precisa do teu c*, mas a democracia precisa do teu voto”.
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