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Quero falar sobre quem fala

Não seria errado considerar que se vive tempos em que cada vez mais as pessoas estão mais bem qualificadas e mais informadas. Não sei se podemos dizer que estão mais bem informadas, pois isso daria uma tese (algo que estou a desenvolver), mas não existe forma de negar que não existiu outro tempo na História em que a informação fosse cada vez mais proliferada, verificada (para espanto dos que falam do aumento da desinformação) e alcançável.

de Maria Madalena Freire





Nisto, é normal que com cada vez mais espaços - neste caso, virtuais - em que se dissemine informação, mais pessoas adquirem conhecimentos sobre factos, acontecimentos. Às vezes, esses factos e acontecimentos precisam de ser contextualizados para se extrair algum tipo de interpretação e/ou opinião sobre eles, para se deter uma visão mais holística do que se trata - esse é (ou deveria ser) o papel do jornalismo.



Apesar disso nem sempre acontecer, não me parece que impeça alguém de iniciar algum tipo de conversa, comentário ou opinião sobre o que lhe foi informado - contextualizado ou não. Nisto, não apelo à desinformação, nem às conclusões precipitadas, nem a extrapolações e casos hipotéticos e projeções caóticas sobre factos e acontecimentos, mas apelo à não castração da liberdade que cada um tem de se expressar perante um assunto sobre o qual toma conhecimento.



Vê-se, muitas vezes, o apelo ao não comentário, à não opinião de pessoas que outras consideram não ser especialistas nas redes sociais. Apesar de entender que hoje em dia todo o cuidado é pouco quando se tem um grande alcance de influência online, também não me revejo no que considero um apelo castrador à expressão dessas pessoas - que podem ou não aproveitar-se de certos acontecimentos dos quais não estão inteiramente informadas.



A imprensa, nomeadamente com a invenção de Gutenberg, veio proporcionar a existência de um espaço em que todos podemos conversar e debater os assuntos que mais facilmente, através da impressão, vinham a público. A isto chama-se o espaço público que, consequentemente, cria a opinião pública. Estes são dois conceitos fundamentais para assegurar qualquer democracia. Antes disto, a Igreja, no caso Ocidental, controlava a ideologia, a opinião, o debate, a conduta, a moral, a ação de cada indivíduo na sua esfera privada. Não existia sequer um espaço público no qual se podia livremente pensar e debater.



Não ignoro que não bastou a existência da imprensa para que toda a gente pudesse aceder à informação facilmente. As elites emergentes, como a burguesia no século XIX, continuavam a controlar a opinião pública - algo que ainda não cessou com os opinion makers do século XXI - e o proletariado não tinha grande participação nela - ainda que, com os sindicatos, se criasse uma esfera pública.


Agora, com as redes sociais, qualquer pessoa que tenha fácil acesso à internet e a um dispositivo tecnológico (sei, também, que não é toda a gente) pode fazer parte da esfera pública, virtual ou não. Nisto, acede aos factos, aos acontecimentos e assim constrói a sua visão e interpretação da realidade que o rodeia.



Dada a exigência cada vez maior de se ser cada vez mais qualificado - com licenciaturas, mestrados e doutoramentos - parece que voltámos a querer criar nichos em que apenas os especialistas se podem pronunciar sobre aquilo em que se especializaram. Voltámos a querer inibir os mais “fracos”, os menos economicamente capazes, de se pronunciar sobre assuntos que fazem parte da esfera e opinião pública. Isto, apenas porque não tiveram meios para se educar da mesma forma, ou então escolheram outro rumo profissional, não indica que cada um de nós não tenha o direito de contribuir para a discussão pública. Claro está, sempre com contenção e atenção à desinformação que se possa disseminar e possa ter consequências gravosas.



Ao impedir que cada um de nós possa participar, ao apelar ao “bom senso” e ao dizer “não têm de opinar sobre tudo”, “não têm de comentar tudo o que acontece” é motivar uma sociedade apática, menos empática, individualista e pouco ou nada democrática para o futuro. Depois, os mesmos, indignam-se com questões como a abstenção em Portugal.


Cada vez mais criamos espaços privados, no tal espaço “público” virtual, que se caracterizam por grupos de seguidores mútuos com quem apenas concordamos e com quem nos dá o like de validação à nossa opinião. Mas o importante para o espírito crítico, para a democracia, é que toda a gente que se interesse em saber e comentar o faça, contrariando ou não, tendo como base o respeito, a informação credível e, melhor ainda, contextualizada.



Quando há uma pandemia, quando a Rússia invade a Ucrânia, os apelos para deixar apenas os especialistas falarem são inúmeros. No entanto, quando há um erro a apontar a jornalistas, ou a algum jornalismo feito, já todos podem acusar e escrutinar. E, mesmo assim, é das únicas profissões que procura informar-vos para que possam ser democraticamente participantes na esfera pública e para que possam livremente opinar.



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