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Relembrando José Pinhal



















de Constança Cardoso


Talvez alguns de vós tenham ouvido falar da grande história de Sixto Rodriguez, poeta e cantor folk do submundo americano, que se tornou um fenómeno de culto na África do Sul sem o saber.


O documentário Searching for sugar man acompanha a viagem de dois sul-africanos em busca desta mítica figura. Neste filme, que aconselho a todos, conhecemos a história de um homem que fora completamente esquecido na sua terra, mas que era adorado sem saber por milhares de fãs do outro lado do mundo.


Mais do que adorado, Rodrigues acabou por se tornar um símbolo do movimento anti-apartheid. Tudo enquanto vivia uma vida humilde nas sombras, trabalhando na construção civil. Quem não viu o filme permita-me este spoiler, que é demasiado bom para não partilhar: não só os dois amigos conseguem, de facto, encontrar Rodriguez como a sua descoberta irá culminar, em 1998, num grande concerto em África do Sul onde o artista se dirige ao público com as palavras “thanks for keeping me alive”.


Esta é uma daquelas histórias de encher o coração que são tão raras na vida real que, quando acontecem, têm que ser contadas a todo o mundo.

O reconhecimento dos artistas é tantas vezes uma questão de pura aleatoriedade… Por acaso, houve dois amigos que decidiram juntar-se nesta busca e tinham meios para a concretizar. Mas se não tivessem, Rodriguez iria morrer sem nunca saber o quanto foi amado, o quanto a sua música mexeu com as pessoas. Quantos Rodriguez terão sido esquecidos ao longo da história?


Hoje, irei contar-vos a história de José Pinhal, um músico de Matosinhos que, nos anos 80, se tornou um ícone da música popular portuguesa. Teve uma morte precoce e foi rapidamente esquecido, mas porque alguém encontrou por acaso uma cassete sua no lixo de um estúdio, voltou à vida para se tornar um fenómeno de culto. Será um Sixto Rodriguez português em ponto pequeno, com a triste diferença de que não viveu para ver a sua redescoberta.


José Pinhal tocava principalmente em boates e discotecas, o seu habitat natural era a noite do Porto. Sabe-se muito pouco sobre a sua vida e sobre o que lhe aconteceu depois do seu sucesso efémero, mas o documentário A vida dura muito pouco (2020) ajuda-nos a conhecer um pouco mais sobre esta mítica figura.


Quase 20 anos depois do seu auge fugaz, José Pinhal é redescoberto por Paulo Cunha Martins que começa a passar a sua cassete em festas de amigos. A voz hipnotizante deste cantautor, a energia de festa de verão, o toque aciganado da sua música e a lírica humilde das suas letras são a receita ideal para prender qualquer um. José Pinhal chegou até mim como chega a quase todos: por boca a boca. Um amigo disse-me num jantar “epa tu tens mesmo que ouvir isto”. Escutei então a sua canção mais icónica, “Tu não prendas o cabelo”, e entendi o porquê do entusiasmo do meu amigo. Acima de tudo, transmite uma genuinidade brutal que dificilmente deixa alguém indiferente.


Infelizmente, as circunstâncias da vida não permitiram ao artista um grande concerto de reencontro com os fãs, como aconteceu com Rodriguez. No entanto, o fenómeno José Pinhal cresceu tanto que, em 2015, nasceu uma banda de tributo ao cantautor. José Pinhal Post-Mortem Experience são hoje a nossa grande oportunidade de ouvir ao vivo a sua obra. Tocarão este ano no festival Bons Sons a 12 de agosto e recomendo vivamente a experiência deste concerto a toda a gente, novos e velhos, “alternos” ou “normies”. Penso que, se ainda estivesse vivo, José Pinhal diria o mesmo que Sixto Rodriguez em 1998: “obrigado por me manterem vivo”.


A melhor homenagem que se pode fazer a este homem é continuar a espalhar a sua obra e é por isso que vos escrevo hoje.

Gostaria então de dedicar este texto a todos os artistas esquecidos, aos que se evaporaram da memória colectiva. Eis aos génios nunca achados, aos poetas das sombras, aos músicos do submundo. Eis aos poemas que nunca se leram. Eis àqueles a quem a morte não perdoou e a quem a História nunca revelou. Que se cantem agora as suas obras, que se celebre a sua arte. Tu, poeta que nunca conheci, obrigada por ti e pelos que tocaste.


Há que honrar toda esta gente invisível também através dos vivos, principalmente em Portugal onde a arte e a cultura continuam a ser postas em terceiro, quarto ou último plano. Onde ser artista é visto como um passatempo glorificado e onde, a cada dia, se vão perdendo mais Rodriguez e mais José Pinhais que não conseguem sobreviver da sua obra. Celebremos agora os nossos artistas enquanto são vivos e lutemos por um futuro em que tenham o reconhecimento que merecem.



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