“Anda Para o Escuro Comigo” situa-se no onírico, dentro de uma sala branca, o espaço vazio de Peter Brook, e nasce num pequeno-almoço de Tomé, o encenador e escritor do texto, que, durante uma refeição em 2016, viu a notícia sobre o clima de tensão entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos na televisão de casa.
de Raquel Batista
Fotografias de Salomé Santos e André Nunes
O jovem lembra-se com detalhe do momento em que a peça televisiva lhe chegou e foi a partir daí que o texto cresceu, que atravessou outros elencos e que se encontrou num grupo estruturado por jovens, com caminhos tanto ou bastante diferentes, mas que, perante uma possível guerra, preferem visitar o escuro acompanhados.
O Crónico acompanhou um dos ensaios da peça que vai estrear no dia 25 de fevereiro no Grupo Dramático e Musical Flor de Infesta em São Mamede de Infesta, Matosinhos, e que depois passará pelo Tuna Musical de Santa Marinha, em Vila Nova de Gaia.
Raquel Batista (R.B.): De que se trata o texto?
Tomé Nunes Pinto (T.): O texto foi escrito a pensar no mundo contemporâneo, com linguagem do século XXI. Achámos divertido brincar com os anacronismos, ao contrário do que acontece com as peças de Shakespeare, em que as pessoas tentam passar para os dias de hoje - esta peça tenta passar para o antes. A peça é muito atual, especialmente no desenrolar das últimas semanas, e é algo que passa de geração em geração.
Tomé recorda-se do seu pai que com a sua idade, vivia o clima conturbado da guerra fria:
“Basta alguém se enervar um bocadinho e acabou, não há futuro, e foi por aí que eu decidi escrever uma história sobre uns putos que tinham de lidar com isso.”
Fotografias de Salomé Santos e André Nunes
R.B.: Em que diferencia a forma como se lida com a guerra no presente e como se lidava antigamente?
T.: Desde as bombas em Nagasaki e Hiroshima, a humanidade descobriu uma forma de destruição mútua assegurada. A Terceira Guerra Mundial, no sentido nuclear, é difícil de prever, mas certamente seria curta.
Na guerra toda a gente é estúpida, o conceito de guerra não se faz sem alguma estupidez. Se isso acontecesse não havia volta a dar, era apenas aproveitar o último dia como se fosse o último, tal como a peça passa.
O apagão
O ensaio envolve a sala, os jovens lidam com os seus problemas e é quando uma voz jornalística surge que tudo começa a parecer desmoronar-se.
“As nossas tragédias é a luz falhar”, diz o encenador após o fim do ensaio.
Momentos antes, Matilde, personagem interpretada por Inês Carneiro, preocupa-se com estado do apartamento que dividia com o namorado, o Berto. Nessa noite recebiam visitas e apenas tinham uma lasanha e um salmão para partilhar. Os outros amigos traziam as bebidas e boa disposição, mas foi no encontro entre todos que se descobriram as tensões que não se falavam a alta voz.
Fotografias de Salomé Santos e André Nunes
“A Matilde é a matriarca, que controla o namorado” disse a intérprete. Berto é um jovem sossegado que tenta responder sempre amavelmente às exigências da namorada.
Lulu, um velho amigo de infância de Berto, o rei da festa, não descansa até ter a Zeca por perto, ao mesmo tempo que travava uma luta com Duda, uma jovem e amiga de Zeca, por quem tinha uma grande paixão.
Do outro lado da sala, Carlitos esperava uma mensagem de uma rapariga com o nome Ana Só, ou só Ana, enquanto Nina se mostrava pronta para uma conversa pessoal e intensa com o jovem, que não se distanciava do telefone por muito tempo.
Fotografias de Salomé Santos e André Nunes
Todas as personagens se distinguem pelo seu temperamento, mas no final, no momento do apagão, originado por um ataque russo a Portugal, todos se entregam ao silêncio. “A forma como as pessoas reagiram ao 11 de Setembro é muito interessante, ouvi relatos de pessoas pasmadas a olhar para a televisão, em silêncio.
Existe uma grande incapacidade de tomar uma ação, não há inocência e pureza, mas sim a incapacidade de fazer alguma coisa”, justificou Tomé para a escolha da reação das personagens.
Inês Carneiro considera que as pessoas vivem numa “bolha” interior e não reagem ao que se passa “lá fora”: “Chega-nos uma imagem, no meio de mil imagens, de corpos decapitados e de crianças a morrer, e o mais importante são os nossos próprios problemas”. Zeca, a personagem de Mafalda Guedes Vaz, questiona o “deixa andar” dos jovens perante a tragédia: “Um sistema com o qual colaboramos com a nossa alienação”, alude Zeca.
Fotografias de Salomé Santos e André Nunes
O intuito da peça não foi o de mostrar a tragédia ou a reação à tragédia, mas sim de passar uma imagem positiva e levá-la a lugares não-convencionais, porque a peça fala de amor: “A mim interessa-me que a peça passe uma mensagem positiva, por isso é que esta peça fala sobre o amor. O mundo pode estar a acabar «mas esta noite vou sonhar contigo»", declara Tomé citando a personagem de Carlitos, enquanto sorri.
Ficha Artística:
Encenação e texto original: Tomé Nunes Pinto
Direção de atores: Simão Collares
Elenco: Daniel Teixeira, Henrique Raínho, Inês Carneiro, Inês Sincero, Mariana Vieira, Mafalda Guedes Vaz, Simão Collares, Tozé Cruz
Cenografia (conceptualização): Inês Sarmento, Rita Cruz
Cenografia (construção): Filipe Tootill, Eugênia Cavaggioni
Figurinos: Beatriz Veríssimo
Sonoplastia: Afonso Ferreira Lemos, Henrique Ferreira Costa
Desenho de luz: Afonso Ferreira Lemos, Bruno Pacheco
Música Original: Afonso Ferreira Lemos, Daniel Teixeira, Ricardo Vieira, Tomé Pinto
Produção: NAVIO
Produção Executiva: Rute Marques da Silva
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