Texto de Sofia Escária
Mestrado em Economia Monetária e Financeira no ISEG
Os últimos anos têm sido marcados pelo agravar dos desafios que o mundo enfrenta e pelo reforço do processo que alguns apelidam de “desglobalização”. Por um lado, acumulam-se os prejuízos de foro ambiental e económico, estabelecem-se movimentos de fragmentação como: o Brexit, a ascensão generalizada de partidos populistas, a sublevação de regimes autoritários na Europa de Leste, o agudizar das relações entre as grandes potências e a adoção de medidas protecionistas e de guerra comercial.
Por outro, abafam-se iniciativas de independência e autodeterminação. Ignora-se a violação de direitos humanos e o atentado contra a dignidade da pessoa humana, permitem-se as atrocidades cometidas em tantos países contra minorias étnicas, religiosas e a comunidade LGBTQI+.
Em certos Estados, a violência doméstica não constitui um crime, mantém-se o estímulo ao casamento infantil, à mutilação genital feminina, às restrições de amamentação ou a continuação da prática de defecação pública. Não existe acesso à água potável nem saneamento básico, escasseiam os bens alimentares e a satisfação de necessidades primárias.
Tantos são os povos devastados pela fome, pela pobreza e pela guerra, enquanto que, para aqueles que se julgam desenvolvidos, se acentuam incompreensivelmente as desigualdades e o acesso a oportunidades. Mas principalmente a intolerância, o racismo e a xenofobia, o direito, a emancipação, o direito à manifestação e a liberdade de expressão.
Tive oportunidade de abordar no passado a intrusão alarmante da República Popular da China em Hong Kong. Ao longo dos últimos meses, novos relatos surgiram acerca de encarceramentos em massa, penas de prisão e punições. Chegaram-nos mais provas da existência de verdadeiros Campos Concentração na região de Xinjiang, que servem para “educar a comunidade local”, formá-los à luz da doutrina, da ideologia e do mandarim, segundo alega a sua administração.
Como revela o Australian Strategic Policy Institute (ASPI), existem cerca de 380 campos de concentração, mais de 61 em expansão ou construção desde julho de 2019. Cerca de 50% destas infraestruturas, cuja intervenção está em curso, possuem o nível mais elevado de segurança, o que induz o incremento de módulos prisionais na área.
Face às acusações de que foi alvo, o Governo desmentiu a informação divulgada e omitiu o motivo de detenção ou o fator que lhes é comum – a religião muçulmana, dissimulando os trabalhos forçados sob pretexto de “vocação e capacitação laboral”, bem como a violência e tortura, a precariedade de condições e os abusos constantes que são relatados pelos sobreviventes.
Possuir um Alcorão ou dispensar carne de porco constitui um delito. Decorre, desde 2017, uma campanha sistemática de reescrita da herança e património cultural da Região Autónoma Uigur, através da alteração e reconstrução de mosteiros, monumentos e outros locais religiosos e culturais sagrados para a população. Este genuíno genocídio cultural e identitário parece passar despercebido, impune e incólume.
Debatem-se os contrastes entre a extrema direita e a extrema esquerda, a ideologia e os princípios que as distinguem, como se da discussão pudesse resultar uma conclusão acerca da que é menos má. Todos os extremos são, por premissa, errados e devem ser condenáveis. Para esse efeito, não podem ser normalizados os preconceitos, os estigmas e a opressão, nem legitimada qualquer conduta que contribua para a sua prevalência. Os erros do passado foram claramente esquecidos, são atribuídos à História, como se dela não fizéssemos parte. Impera refletir, denunciar e agir, sob pena de comprometermos definitivamente o pouco que nos resta de humanidade.
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