A escola alemã pode ter ensinado muita coisa a Rui Rio, mas certamente não o ensinou como se fazem salsichas. Pelo menos, a julgar pelo seu percurso político até este ano, era difícil dizer que o antigo Presidente da Câmara do Porto compreendia a importante máxima política de que às vezes para atingir determinados fins (tipo salsichas), o melhor é não olhar muito para os métodos de produção.
de João Maria Jonet
Estamos a falar de um político que, a bem ou a mal, nunca escondeu ao que vinha. Desde declarar guerra às estruturas locais como Secretário Geral de Marcelo até cortar relações com o Futebol Clube do Porto como Presidente da Câmara, nunca foi conhecido pela sua capacidade de dar grandes golpes sem grande estrondo.
Todos sabíamos como é que fazia as suas salsichas, porque ele não escondia a receita de ninguém. Farto das sombras e jogos palacianos da política, fez da frontalidade a sua imagem de marca. Todos sabíamos como é que fazia as suas salsichas, porque ele não escondia a receita de ninguém. Farto das sombras e jogos palacianos da política, fez da frontalidade a sua imagem de marca.
Chegado a candidato a líder, incumbido de enterrar o passismo e a sua imagem desgastada, procurou fazer pontes com os que tinha tentado destruir e que o tinham tentado destruir a ele. Percebendo a popularidade de Passos dentro do partido, formou uma lista de conciliação ao Conselho Nacional com o adversário que derrotara, Pedro Santana Lopes. Para quem não sabe, o Conselho Nacional é o sítio onde se tomam todas as decisões entre congressos, como fazer listas de candidatos ou aprovar programas.
Ao ceder este terreno, Rui Rio condicionou gravemente a sua liderança, tentando entrar nas lógicas de bastidores que até aí andava a evitar. Nos dois anos em que teve o Conselho Nacional dividido, foi forçado a incluir adversários nas suas listas para as legislativas e quase sofreu um golpe palaciano antes das eleições europeias.
Atenção, isto não quer dizer que Rui Rio não entre em lógicas de bastidores para negociar apoios internos, quer apenas dizer que é uma pessoa que nos habituou a comunicar essas situações claramente, sem deixar dúvidas e sem intermediários. Todos sabemos que Rio ganha Aveiro com o apoio de Salvador Malheiro, mas também sabemos que Malheiro é o seu diretor de campanha, portanto não é propriamente uma surpresa.
Rio teve de mudar 55% do seu grupo parlamentar de 2019 para 2022, maioritariamente porque pessoas que tinham sido eleitas com o seu apoio acabaram por apoiar o seu adversário, representando as restantes pessoas que sempre foram da sua oposição e que tinham sido já uma cedência há dois anos.
É evidente para muitos que Rio não tem sido o líder mais eficaz que o PSD já teve, mas é interessante olhar para estes problemas como fator atenuante. Claro que os erros na comunicação são por culpa própria e que as exigências de lealdade às vezes podem ser exageradas, mas no geral Rio tem lidado com uma falta de respeito pelas suas opções para o partido sem grande precedente. Um candidato que ganha três eleições em princípio está a representar uma visão que, apesar de não ser exatamente a minha, há de ser maioritária entre os militantes. Como tal, era altura de começar a respeitar isso ou a abrir espaço a quem respeite.
A comunicação social chama a isto “purga”, eu chamo-lhe aprender a fazer salsichas. Sá Carneiro também se fartou de perder eleições e de ter deserções e ninguém questiona agora o seu legado. Aliás, Sá Carneiro foi dos poucos líderes do PSD com piores resultados que Rio, seja em 1975 ou 1976, também perdeu umas autárquicas numa eleição que pareceu uma vitória e não só teve deputados contra ele, como teve mais de metade do grupo parlamentar a sair do partido.
Nem toda a gente do PSD tem de ser um discípulo ideológico de Sá Carneiro. Eu não sou de certeza e Rui Rio com o seu liberalismo social também não será uma fotocópia. Mas importa dizer que os portugueses apreciam um estilo presidencial e frontal e, desde que ele se mantenha dentro dos limites da democracia e dê garantias de boa governação, como me parece o caso de Rio, acho que é só uma questão de pôr de parte o liberalismo lisboeta e perceber que nem todo o País pensa assim.
Tendo aprendido com os erros do passado, seja em relação ao acordo açoriano ou em relação à gestão do partido, Rio é hoje melhor líder do que era, também porque teve de enfrentar umas eleições que não queria. Desta ironia inesperada pode surgir um Primeiro-Ministro. Apesar de parecer improvável, a verdade é que já não parece impossível. Tudo porque o menino da escola alemã levou tanto na cabeça que lá aprendeu a fazer salsichas.
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