de Gonçalo Brites Ferreira
A mão invisível não é algo que o vosso novo amigo liberal inventou. É algo que remonta ao início desta seca toda: ao início da ciência, que nos permite escrever estas crónicas secas. O início, normalmente, por tradição bíblica está associado a um criador, mais poderoso ou menos poderoso. O proessor de Lógica e Filosofia Moral da universidade de Glasgow, a.k.a Adam Smith, é o pai da Seca que vos trazemos regularmente.
Para compreendermos a mão invisível devemos primeiro perceber o seu autor, Adam Smith, e a forma como este interpreta os comportamentos do ser humano em sociedade. Smith publica, em 1759, um livro intitulado de “A teoria dos Sentimentos Morais”, onde expunha a sua visão sobre a natureza humana. Smith disserta sobre como todos os homens tem entre eles um “conflito” entre o seu amor próprio e a empatia pelos outros, e como todos somos capazes de nos colocarmos como espectadores imparciais do nosso comportamento de forma a julgarmos o nosso próprio comportamento e a percebemos qual é o julgamento que a sociedade faz do mesmo. Smith diz que se o homem agir como espetador imparcial, ele irá estar consciente do que os outros veem e irá moderar a arrogância do seu amor próprio até ao ponto em que isso seja tolerável para o resto dos homens.
Smith afirma que é normal que nos preocupemos mais connosco do que com os outros e que na corrida pelo seu bem-estar cada um pode correr o mais que puder, esforçar-se o mais que puder, para passar à frente dos seus competidores. No entanto, se o fizer de forma desonesta, empurrando ou derrubando alguns deles, aí ele próprio sofrerá as consequências, pois a indulgência dos seus espectadores terminará. Desta forma, Smith leva-nos ao último ponto deste livro, o de que nenhuma sociedade poderá subsistir com a prevalência de injustiças.
Após uma reflexão sobre a natureza humana, Adam Smith deixa-nos um livro que ficou conhecido por ser o esboço de outro ainda mais conhecido. “Lições de Jurisprudência” é o que dá origem à obra de arte do autor o “Inquérito sobre a Natureza e a Causa da Riqueza das Nações”. Livros onde aparecem talvez algumas secas que ainda irão ser explicadas nesta rubrica como a divisão do trabalho.
Hoje, apenas tenho mão para a mão invisível e, por isso, vamo-nos centrar na continuação da perceção do autor sobre os indivíduos e os seus comportamentos em sociedade, agora, no livro sobre a Riqueza das Nações. Smith acredita que “cada indivíduo, na sua situação local pode julgar melhor que qualquer homem de estado ou legislador em que indústria empregar o seu capital”, que não existe nenhum homem de estado capaz de absorver todo o conhecimento e tomar decisões corretas para cada um, e que isso seria até perigoso visto que o homem de estado podia não estar pleno das suas faculdades mentais, algo que diga-se de passagem, é bastante comum até na maior democracia do planeta. Smith escreve que o soberano deve justiça e igualdade de tratamento a todos os seus súbditos e que a única forma de isso acontecer é de o soberano criar as condições para que o súbdito consiga escolher conforme as suas necessidades. É aqui que surge a tão saudosa e badalada no twitter mão invisível.
“O indivíduo procura apenas o seu ganho, mas neste, como, em muitos outros casos, é guiado por uma mão invisível para promover um fim que não parte das suas intenções. Nem é pior nem para a sociedade que não seja parte das suas intenções. Ao prosseguir o seu interesse próprio, muitas vezes, ele promove o da sociedade mais eficientemente do que quando verdadeiramente procura promove-lo.”
Smith era contra a corrente, que defende de que o Estado deve dirigir a economia, porque quando dirige acaba sempre por beneficiar uns à custa de outros, e dá aquela que para mim é a melhor analogia que já li, a de que os homens do sistema parecem achar que é possível arrumar a sociedade como uma mão arruma as peças de xadrez, mas esquecem-se que as peças de xadrez não tem qualquer movimento sem ser aquele que a mão lhes impõe, enquanto que as peças que compõem a sociedade tem movimentos próprios.
Em resumo, Smith acreditava que nos sabíamos comportar em sociedade e que somos as melhores pessoas para decidir sobre nós próprios, que as nossas decisões de consumo bastariam para que o mercado se adaptasse e correspondesse às nossas necessidades e que o Estado apenas teria que nos proteger de invasões, estabelecer a justiça e educar-nos e bem talvez esperar que a mão invisível fizesse o resto.
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