O ano de 2020 ainda não terminou. Os casos de covid-19 continuam a aumentar. O governo Polaco retirou às mulheres o direito de controlar o seu próprio corpo. A Arménia e o Azerbaijão retomaram a sua disputa. Os protestos vão ganhando força. Nos dias que correm, nada é garantido.
Crónica de Marta Dias
Estudante de Política e Relações Internacionais, Lancaster University
No momento em que vos escrevo, olhamos para um mundo marcado por um turbilhão de incertezas. Contudo, vamos certamente lembrar-nos de 2020 como o ano de muitas coisas. O ano que passámos sozinhos. O ano que passámos online. O ano de muitas mortes. O ano dos protestos. O ano das eleições. Essencialmente, talvez, o ano de dúvidas.
De súbito, fomos atingidos por uma doença inesperada e pouco compreendida, explicada contraditoriamente por médicos, especialistas, políticos e até amigos. A pandemia tornou-se um enigma que cresce apressadamente, sem tempo para dar às incertezas de hoje quaisquer certezas do amanhã.
Daqui fala-vos uma emigrante. Depois de ter vivido em mais do que um país, deixei de poder referir-me a “casa” sem utilizar aspas – uma vez que haverá sempre mais do que uma. Todavia, com a chegada do vírus, tudo aquilo que dava como garantido deixou de o ser. A questão “Qual é a casa a que te referes?” passou a ser formulada de uma forma diferente. Agora, pergunto-me “Qual será a casa mais segura?”, “Quando poderei voltar e quem poderei ver?”. Pois bem, o difícil é encontrar uma resposta para estas questões. De facto, a única resposta que tenho é relativa ao conceito de “pós-verdade”, que se apresenta, provavelmente, como o aspeto mais marcante dos tempos e da sociedade em que vivemos. Antigamente, sobretudo devido à Igreja Católica, falavam-se dos dogmas, verdades irrefutáveis reveladas sobre a fé absoluta. Mais tarde, como resultado do processo de globalização e do desenvolvimento dos media, as verdades passaram a ser discutidas por todos e formou-se a opinião pública. Neste momento, subsistem diversas opiniões públicas compostas por vários círculos que difundem cursos de informação, cursos estes que podem por sua vez ser considerados como verdade ou não.
Não obstante, é importante compreender que o tratamento eficaz da informação recebida é uma ação crucial, apesar da avaliação da sua veracidade ser um processo complicado. Para melhor entender este fenómeno, tomemos como exemplo as eleições presidenciais dos Estados Unidos. Nos Estados Unidos é possível observar um comportamento eleitoral comum. Para além disto, o estudo deste comportamento permite prever alguns acontecimentos. Ora, nas eleições, sabemos que a questão económica – o dito voto económico – é um fator determinante. Por outras palavras, as eleições são muitas vezes decididas através da perceção que a população tem da sua qualidade de vida, uma perceção de riqueza ou de défice.
Ao olhar para o voto económico era expectável que Trump ganhasse, visto que as suas políticas fiscais fizeram com que a classe trabalhadora, principalmente, obtivesse uma perceção positiva. Contudo, nas sondagens não é apenas a questão económica que conta e a pandemia veio relembrar-nos isso. As previsões deixaram de ser óbvias. Questões como as medidas sociais, de saúde pública, e educativas vieram desequilibrar a balança de Trump. Ademais, o vírus trouxe à população americana outra incerteza. Será que conseguiriam votar? Será que os votos enviados por correio contariam?
O ano de 2020 ainda não terminou. Os casos de covid-19 continuam a aumentar. O governo Polaco retirou às mulheres o direito de controlar o seu próprio corpo. A Arménia e o Azerbaijão retomaram a sua disputa. Os protestos vão ganhando força. Nos dias que correm, nada é garantido. Mas no meio de tantas incertezas, estou certa de uma coisa: se o mundo de ontem soubesse do mundo de hoje, não ia acreditar.
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