de Francisco Madail Herdeiro
Rómulo Vasco da Gama Carvalho, conhecido de todos pelo pseudónimo António Gedeão, escreveu na última estrofe do seu poema “Pedra Filosofal”:
“Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.”
E é exatamente sobre sonhos e ciência que vamos falar.
Na última sexta-feira de setembro, como já é tradição, realizou-se a Noite Europeia dos Investigadores. Este evento, que decorre simultaneamente em várias cidades de Portugal e por essa Europa fora, procura aproximar as pessoas da ciência, com mostras do trabalho feito pelos investigadores das universidades portuguesas, para assim estimular a curiosidade de quem visita as bancas das várias entidades ali presentes.
Contudo, por detrás dos sorrisos animados dos investigadores, que presenteiam o público com os resultados do seu sangue, suor e lágrimas, está uma realidade que o público desconhece, ou, conhecendo, ignora.
Uma realidade vivida a prazo, sempre em suspenso. A realidade de viver de bolsa em bolsa, de projeto em projeto, ano após ano, sem uma carreira contributiva e, por isso, sem acesso a crédito e sem capacidade de comprar uma casa, parte essencial para começar um projeto de família.
Quanto à Segurança Social, esta é meramente voluntária, sem apoio digno na doença ou na p(m)aternidade, sem perspetivas de uma reforma ou de estabilidade profissional.
Para não falar de que estes trabalhadores científicos, porque é isso que são, trabalham muitas vezes mais de 8 horas por dia, trabalham aos fins de semana e feriados, correm o país e o mundo em congressos, por vezes pagos do próprio bolso porque a bolsa não chega para tudo.
Os bolseiros lecionam, corrigem ou supervisionam provas sem terem sido contratados para tal, e no mais recente pacote de medidas do Governo para a Ciência vêem-se agora na posição de ter de lecionar no ensino secundário, sem verem nenhuma contrapartida pelo seu tempo gasto em atividades não relacionadas com a sua investigação.
Os bolseiros de investigação são mão-de-obra infinita, pau para toda a obra, alimentados a recursos finitos. Não há limite ao que se pode extrair de um bolseiro, mas sabemos bem onde está o limite do que queremos dar ao bolseiro. São uma necessidade permanente, têm um posto de trabalho, um horário e até direito a 22 dias de ausência, porque se não são trabalhadores, então não têm direito a férias pagas.
Não há uma luz ao fundo do túnel. Mesmo com o Decreto-Lei nº 57/2019, que previa a integração, ao fim de 6 anos, dos bolseiros de investigação nos quadros das instituições de ensino, a medida falhou redondamente, pois para o bolseiro ser integrado teria de ser avaliado com "Bom" no 3.º, 4.º e 5.º anos de bolsa, e com "Excelente" no 6.º e último ano.
No fim de uma maratona, quando quase se vê a luz ao fundo do túnel, tiram o tapete debaixo dos pés do bolseiro, pois basta que a avaliação do 5.º para o 6.º ano seja de "Bom" para que a instituição tenha logo todas as justificações necessárias para não integrar o bolseiro nos seus quadros. Posto isto, abrem-se novas posições para novos bolseiros, ou para os mesmos de sempre, que durante mais 6 anos vão arrastando os pés, esperando uma oportunidade para ter uma vida digna.
E assim vai a ciência em Portugal. Sem ciência, porque para um bolseiro experiente, o que interessa é a quantidade e não a qualidade da investigação, e sem sonho, porque sonhar com uma carreira científica em Portugal é mais alucinação do que aspiração.
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