por Manuel Serralha
Beja é um distrito diferente: é um distrito que conjuga praias, costa escarpada, planície alentejana, presunto de porco preto, corridas de touros entre tantos outros fatores tão característicos da cultura e gostos dos portugueses. Talvez por isso seja um distrito onde é aceitável acreditar em grandes projetos. Projetos que mobilizem as mais de cem mil pessoas que lá vivem e tantas outras que lá poderiam viver. Projetos como fora o Alqueva ou como poderia ser o Aeroporto de Beja, sejamos nós daqueles que acreditam no aeroporto de passageiros ou daqueles que acreditam no aeroporto de mercadorias. O importante é pensar e idealizar estes projetos e lutar para que, de facto, existam.
Sejamos sinceros, a idealização é algo que fazemos de forma medíocre: queremos sempre pouco, pedimos sempre menos. Já a concretização, essa é pior: fazemo-la sempre de forma horrível. Somos, enquanto Estado, a personificação da triste relação realidade vs ideia. Da deprimente dicotomia custo estimado vs custo real. Da infeliz parelha previsão vs visão. O que vemos é sempre diferente do que imaginámos.
Comparando então a realidade e a ideia, chegamos às seguintes cinco situações:
Um cidadão do distrito de Beja gostaria de poder usufruir de um hospital que lhe prestasse os devidos tratamentos dentro de um tempo de espera razoável, condizentes com o valor de impostos que lhe é cobrado. Esta é a ideia, já de si curta e simples.
A realidade traz um serviço desapoiado, sem condições mínimas para o paciente e para o funcionário, que resulta em falta de médicos – as grávidas de junho de 2019 bem o saberão – ou até numa morte por tempo de espera elevado. Esta é a realidade, bem pior que a ideia.
O mesmo cidadão gostaria, por exemplo, que os seus conhecimentos, aplicados pela sua empresa, fossem valorizados pelo Estado, ao ponto de que os seus impostos tivessem algum tipo de dedução ou mesmo redução pelo facto de viver num distrito onde a densidade populacional se quer maior. Algo como um benefício fiscal especial para distritos de baixa densidade populacional. A ideia peca novamente por ser escassa – seria aceitável que se pedisse mais.
A realidade, por outro lado, traz uma empresa constantemente fiscalizada pelas Finanças locais (constrangidas por um Governo que lhes pede muito mais), traz um público alvo reduzido derivado de políticas que em pouco favorecem o êxodo populacional dos pólos urbanos, traz burocracias infindáveis e serviços pouco eficientes. Traz, quando falamos de empresas agrícolas, uma perseguição urbana daqueles que nada sabem sobre o campo e que tanto opinam, destruindo vidas e mitigando as poucas hipóteses que o próprio Governo lhes concede. Esta é a realidade, bem pior que a ideia.
O tal cidadão gostaria de conviver com portugueses e estrangeiros de uma forma culturalmente equilibrada e que lhe permita aprender e partilhar conhecimentos com o ambiente que o rodeia. Gostaria também que o investimento e que as mais-valias que todos os imigrantes trazem para o distrito, não acarretassem uma total descaracterização do mesmo. Gostaria por fim que todos, sejam portugueses ou não, vivam de forma digna. Ideia que poderia ser mais ambiciosa, bem mais.
A realidade mostra a este cidadão que não há equilíbrio. Há sim vilas e mais vilas completamente lotadas de estrangeiros à procura de uma vida melhor, sem resposta por parte do Estado e de serviços já em rotura. Mostra condições de vida pouco dignas, um exemplo disso são os T3 que funcionam como T13. Mostra um total esquecimento do Governo perante os habitantes do seu país. Esta é a realidade, bem pior que a ideia.
O cidadão, vamos chamar-lhe António ou Nong, dois nomes bastante típicos do distrito de Beja, poderá pensar que tal como em qualquer distrito de Portugal, transportes como o comboio ou acessibilidades como uma autoestrada ou estradas seguras e sem buracos, existirão tornando a ida a outros locais uma tarefa simples e fazível. Uma ideia que de grande ou diferente tem muito pouco.
A realidade traz uma autoestrada incompleta, que pelos vistos será aberta sem ser terminada (os milhares de reclamações nos últimos anos terão tido algum impacto) e uma linha de comboio cuja eletrificação ainda não é realidade – sim, é assim, a eletrificação não é uma realidade. Num distrito em que a mobilidade é central e essencial, os buracos são vários: nas estradas, nos planos, nos orçamentos. Esta é a realidade, bem pior que a ideia.
Por fim, o cidadão poderia querer pedir demais, sugerindo viver em Beja, numa casa mais barata e bem mais apetecível que em Lisboa, trabalhando no Marquês de Pombal na capital, exigindo-se-lhe uma viagem de 1h30 de comboio de manhã e outra de igual tempo à noite. Seria diferente do resto do país? Penso que quem vive na linha de Sintra, mas trabalha em Lisboa conhece bem esta sensação – ou seja, a ideia é normal e banal.
A realidade traz uma única resposta a tão antiga, mas tão boa ideia – é impossível. Esta é a realidade, bem pior que a ideia.
Isso mesmo, um cidadão do distrito de Beja sente constantemente que os seus planos dificilmente vistos por alguém como ambiciosos são sempre impossíveis. É uma sensação de impotência e de desvalorização que culmina com a baixíssima atenção mediática e legislativa dada às problemáticas do distrito:
seja a Manifestação pelo Mundo Rural (os milhares no Terreiro do Paço não foram praticamente mencionados pelos media),
seja a poluição em Fortes (neste caso, a forte menção nos media conjuga-se com um forte desprezo estatal),
seja o facto de os Bombeiros de Barrancos usarem veículos com o curioso nome Bomberos (“é fazer as contas”) ou terem o seu edifício em risco de queda num concelho muito isolado e desapoiado.
O ministro é aquele que ministra, que serve. A triste verdade é que para a maioria dos ministros e deputados, Beja não interessa: não existe amor, vontade ou sequer racionalismo que concretize os mais pequenos projetos.
Não estará na altura de procurar quem queira servir Beja pelo povo e pelo serviço?
Não estará na altura de lembrar ao Governo que Beja é mais que os três deputados que elege?
Não estará na altura de cumprir o desígnio de um distrito cuja capital fez parte do Império Romano por mais de 600 anos?
Está na altura de Cumprir Beja, está na altura de concretizar Portugal.
Por Manuel Serralha
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