Muitos são os pessimistas que acreditam que a fusão nunca será uma realidade. Em jeito de ironia, costuma dizer-se que a fusão estará sempre a 30 anos de distância. No entanto, desde a sua descoberta o processo de fusão já foi bastante melhorado com a ajuda das tecnologias a que temos acesso atualmente
Crónica de Adriana Martins
Mestre em Sistemas Energéticos, Imperial College London
Estamos num período de transição do setor energético com fim a eliminar combustíveis fósseis da sociedade. No que toca à produção de eletricidade, a tendência será substituir centrais termoelétricas a carvão e/ou a gás por opções mais limpas e de preferência renováveis. As tecnologias que já preenchem estes requisitos e que já se tornaram comercialmente viáveis são os painéis fotovoltaicos para o aproveitamento da energia solar e as turbinas eólicas para o aproveitamento da energia do vento. Muitos tem sido os esforços nacionais para incorporar estes sistemas no mix energético para a produção de eletricidade. No entanto, para chegar a uma rede elétrica com 100% renováveis o desafio aumenta, pois estas tecnologias têm baixas densidades energéticas (power density) – um conceito usado para perceber a potência fornecida por metro quadrado usado (W/m2)
Uma análise feita por um professor da Universidade de Cambridge, apresentada no livro Sustainability without the hot air , conclui que Europa não tem espaço suficiente para a quantidade de parques eólicos e parques solares necessários para igualar o atual consumo elétrico. Mesmo com os aumentos de eficiência esperados para estes sistemas, os esforços não são suficientes para que passem a ser a solução. Para além disso, a tendência é que os consumos de eletricidade aumentem (aumento de população, eletrificação do setor do transporte, etc.). Em suma, precisamos de opções limpas, renováveis e com densidades energéticas relativamente altas para que possamos sequer sonhar numa Europa e num Mundo neutro em carbono nas próximas décadas mantendo o nível de vida a que estamos já habituados. Uma opção viável dizem ser a energia nuclear, (pois a única alternativa a curto prazo seria cobrir desertos com painéis solares e exportar essa eletricidade para as áreas mais densas em população!).
É possível tirar partido das forcas nucleares presentes nos núcleos dos átomos para a geração de eletricidade - energia elétrica útil para nosso proveito. Estas forças permitem que as partículas que compõem o núcleo (protões e neutros) se mantenham unidas e são extremamente fortes. Atualmente, existem duas formas ou técnicas para tirar proveito desta energia. Estas são fissão e fusão.
Fissão
O fenómeno de fissão mais estudado é a fissão de Urânio-235 (isótopo do Urânio) e ocorre quando este átomo pesado é bombardeado com eletrões. O produto desta colisão é a divisão do átomo de Urânio-235 em dois elementos diferentes com a libertação de energia e mais eletrões. Estes eletrões por sua vez chocam com outros átomos de Urânio criando assim uma reação em cadeia.
Estas reações emitem energia na forma de calor que pode ser aproveitada para aquecer correntes de água, que por sua vez, se transformam em vapor e fazem turbinas girar, que, se ligadas a geradores, permitem a produção de eletricidade. Este é o processo mais comum nas centrais nucleares que atualmente existem. Este método é também bastante semelhante ao processo das nossas centrais termoelétricas a gás e carvão. A grande diferença é o combustível/fonte de calor usado/a para converter a água em vapor!
Esta técnica tem alguns problemas associados. Primeiro, este processo tem como produto elementos radioativos (lixo nuclear) que tem de ser mantidos cobertos e protegidos por muitos anos a seguir à sua utilização até que os níveis de radioatividade baixem para níveis seguros. Segundo, devido à necessidade de criar reações em cadeia (anteriormente referidas) é possível que o reator nuclear por alguma falha técnica perca controlo da situação e os acidentes são possíveis. Não há espaço para enganos pois as consequências de um só acaso são devastadoras devido à radioatividade envolvida no processo. Acidentes como Chernobyl, Fukushima e outros tantos tiveram influências na visão do público geral sobre estas tecnologias, que se tem tornado cada vez mais negativa. Porém, um estudo da NASA de 2013 afirma que a energia nuclear preveniu 1.8 milhões de mortes entre 1976 e 2009 ao substituir centrais termoelétricas a carvão e gás para a produção de eletricidade. Este valor tem já em conta os acidentes. A verdade, é que esta tecnologia tem dos valores mais baixos de óbitos por unidade de eletricidade gerada. O gás e o carvão provocam mortes silenciosas devido a todos os problemas respiratórios que lentamente criam numa população com as emissões de dióxido de carbono e outros gases poluentes.
A energia nuclear, ao contrário do gás e do carvão, não emite dióxido de carbono, sendo considerada uma opção limpa, mas não-renovável! Por definição, uma fonte renovável é aquela que se repõe a uma velocidade maior do que o seu consumo, o que não acontece com o urânio caso se tornasse a única fonte para produção elétrica. É necessário encontrar a longo prazo uma fonte renovável com densidades energéticas altas.
Fusão
O fenómeno de fusão acontece quando dois núcleos se fundem num só elemento mais pesado. Este processo liberta quantidades surpreendentes de energia. A fusão está presente no Sol e é, na verdade, a razão pelo qual brilha! Em laboratório, são necessárias temperaturas e/ou pressões extremamente altas para permitir a fusão das partículas. O processo mais estudado usa isótopos de hidrogénio – ditério (2H) e trítio (3H) que dão como produto hélio (He).
O processo de conversão de energia nuclear por fusão em energia elétrica é idêntico ao de fissão. A reação de fusão seria a fonte de energia em calor que aquece a água que fará girar as turbinas e fazer com que o gerador produza eletricidade.
Ao contrário de fissão, fusão ainda não é uma técnica dominada pela comunidade científica. Ainda não é energeticamente viável. Isto significa que ainda é necessário mais energia para fundir os núcleos do que a energia que é libertada na reação. Porém, esta técnica parece ser preferida à fissão. O problema relacionado com o lixo radioativo deixa de existir pois o produto de fusão é hélio, um elemento normalmente encontrado na nossa atmosfera. Problemas relacionados com segurança e possibilidade de acidentes é também reduzido pois o grande desafio da fusão é conseguir manter a reação ativa, e não conseguir controlá-la (como é o caso da fissão com as reações em cadeia). No eventual caso de uma falha técnica no reator, as temperaturas baixam em consequência e a reação termina inevitavelmente com o arrefecer das partículas. Inseguranças relacionadas com a durabilidade desta fonte acabam também, pois o ditério é encontrado abundantemente na água do mar e trítio (sendo menos abundante naturalmente no mundo) pode ser produzido artificialmente em laboratório a partir do hidrogénio. Os cientistas afirmam que um copo de água do mar tem átomos suficientes para gerar níveis de energia elétrica equivalentes aos níveis de energia contidos num barril de petróleo. Fusão terá também uma maior densidade energética que a fissão, contudo, isto depende dos processos e eficiências de cada processo usado.
Situação Socioeconómica
O potencial da energia nuclear para a redução dos níveis de carbono na atmosfera é inquestionável. Porém os benefícios e desafios das opções que existem – fusão e fissão variam bastante.
Fissão é a única técnica dominada até aos dias de hoje. É comercialmente viável e atualmente temos 439 centrais espalhadas por 31 países. Foi maioritariamente desenvolvida nas décadas de 40 e 50 com o aparecimento das primeiras bombas nucleares. Todavia, a falta de investimento em R&D (Research & Development) desde então faz com que a tecnologia esteja estagnada e ultrapassada. A perceção negativa do público em geral no que diz respeito à energia nuclear contribuiu para tal assim como os baixos preços do gás natural. Mais de metade das centrais que atualmente existem foram construídas entre 1970 e 1985 e poucas são projetos em construção. Bill Gates parece ter percebido o potencial desta tecnologia e a necessidade de melhorar os processos que existem a fim de aumentar as eficiências e segurança dos reatores. O bilionário tem vindo a investir em fissão através da TerraPower, uma empresa fundada por ele.
Fusão, ao contrário de fissão, ainda não é uma tecnologia dominada, porém, demonstra potencial. ITER (International Thermonuclear Experimental Reactor) é o projeto mais ambicioso até aos dias de hoje. Resulta de uma colaboração de 35 nações – China, Estados Unidos da América, Índia, Japão, Coreia, Rússia e União Europeia, e tem como principal objetivo arranjar uma maneira de tornar fusão viável para a produção de eletricidade. O projeto irá custar a volta de 20 biliões de euros e está neste momento a desenvolver um dos maiores reatores nucleares de fusão no sul de França. Estima-se que o reator pese 3,000 toneladas (o peso de três torres Eiffel) com um volume no reator de 830 m3. Tem com o objetivo criar o primeiro plasma em 2025 e começar em operação a 2035. Este reator tenciona gerar 500MW com 50MW de input e atingirá temperaturas três vezes mais altas que as temperaturas do sol ~ 150,000,000° Celsius. Este projeto não inclui as turbinas e geradores para a geração de eletricidade, apenas tenciona provar que a tecnologia funciona.
A verdade é que a energia nuclear tem o potencial para se assumir como alternativa às fontes fósseis atualmente usadas para produção elétrica!
Tendo em conta os níveis de desenvolvimento de fusão e fissão, a fissão poderá ser a solução a curto prazo com modelos de reator mais desenvolvidos e mais seguros. O apoio do governo é imprescindível neste setor devido a todos os riscos de segurança envolvidos e os grandes custos de capital inicial necessários para a construção destas centrais.
A longo prazo, fusão será preferível devido a todas as razões já mencionadas. Muitos avanços tecnológicos são ainda necessários para que este fenómeno possa ser dominado e muito é o investimento necessário! A ITER é um esforço mundial traduzido em 20 biliões de euros. No entanto, se este valor for comparado ao investimento para levar o primeiro homem a lua de 150 biliões de euros (segundo valores atuais) a situação já parece mais sensata considerando que o retorno desta vez é uma fonte interminável de “energia elétrica limpa”.
Muitos são os pessimistas que acreditam que a fusão nunca será uma realidade. Em jeito de ironia, costuma dizer-se que a fusão estará sempre a 30 anos de distância. No entanto, desde a sua descoberta o processo de fusão já foi bastante melhorado com a ajuda das tecnologias a que temos acesso atualmente! Há quem diga que é o maior desafio que a humanidade alguma vez enfrentou. A fusão vai necessitar de um apoio conjunto de governos e talento científico para que um dia possa ser uma realidade. Quando o for, podemos começar a imaginar um mundo livre de combustíveis fosseis. Até lá, teremos de esperar e optar por outras tecnologias.
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